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Revista USP

Print version ISSN 0103-9989

Rev. USP  no.89 São Paulo Mar./May 2011

 

Indicadores de desempenho, ciência brasileira e a cobertura das bases informacionais

 

 

Jacqueline Leta

Professora do Programa de Educação, Gestão e Difusão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

 


RESUMO

A elaboração e organização de mecanismos para avaliar e monitorar as atividades científicas tornou-se uma prática rotineira entre os diversos órgãos de fomento de países desenvolvidos a partir dos anos de 1960. Observa-se, assim, que, juntamente com a avaliação pelos pares, o desempenho da ciência e dos cientistas passou a ser medido e avaliado por parâmetros objetivos, sendo muitos deles do escopo dos estudos da cientometria. Ao longo das últimas décadas, o interesse por indicadores de produtividade (número de publicações) e de visibilidade (número de citações) disseminou-se, sendo amplamente utilizados na maior parte dos países. No Brasil, esse processo não foi diferente; as principais agências têm se apropriado desses indicadores tanto para divulgar e estimar o desempenho da ciência brasileira assim como para dar suporte a modelos de avaliação individuais e institucionais, como no caso dos programas de pós-graduação. Este texto pretende contextualizar a cientometria nos mecanismos de monitoramento da ciência, assim como dar um panorama das principais características da ciência brasileira, apontadas em diferentes estudos cientométricos e, por fim, discutir as limitações das principais bases informacionais que têm servido de fonte para estudos dessa natureza.

Palavras-chave: cientometria, ciência brasileira, bases informacionais.


ABSTRACT

Devising and organizing mechanisms to evaluate and monitor scientific activities has become a routine practice among many research support institutions in developed countries since the 1960s. It can be noted that, along with peer-review procedures, the performance of science and of scientists has turned out to be measured and evaluated by means of objective parameters, and many of them fall within the scope of the studies of Scientometry. Throughout decades, the interest in indicators of producti-vity (number of publications) and of visibility (number of citations) has spread, and they are largely used in most countries. Such process was no different in Brazil: the main agencies have made use of those indicators to make public and estimate the performance of Brazilian science, and also to provide support to models for evalua-ting individuals and institutions, as is the case with the graduate programs. This text aims at placing Scientometry into the context of mechanisms of science monitoring, as well as providing a panorama of the main characteristics of Brazilian science, pointed out in many scientometric studies. Finally, it discusses the limitations of the main information bases which have been served a source for studies of this nature.

Keywords: Scientometry, Brazilian science, information bases.


 

 

A CIÊNCIA E OS MECANISMOS DE MONITORAMENTO

A avaliação e monitoramento da atividade científica não é algo recente e ocorre, nos dias atuais, em dois formatos: a avaliação pelos pares e a avaliação por indicadores de desempenho.

Apesar de todas as críticas (Shatz, 2004), a avaliação pelos pares é o mecanismo de avaliação da atividade científica mais antigo e que perpetua até os dias atuais. Suas origens estão no interior da própria atividade, quando os cientistas, num dado momento, perceberam a necessidade de organizar e avaliar os manuscritos submetidos para as ainda escassas revistas científicas que circulavam. Vários são os autores (Zuckerman & Merton, 1971; Bozeman, 1993; Hames, 2007) que apontam a Royal Society of London como a instituição que iniciou esse movimento, ao criar, por volta dos anos 1790, as figuras do editor e dos avaliadores dos manuscritos submetidos para sua revista, o Philosophical Transactions of the Royal Society. Aos poucos, essa prática foi se difundindo para outras sociedades e academias de ciência que a incorporaram na rotina de suas revistas, mas sem qualquer preocupação em seguir um formato, um padrão.

Foi preciso mais de um século para que o processo de avaliação pelos pares se difundisse de fato entre as áreas e países. Para Hames (2007), dois fatores permitiram a disseminação dessa prática após a Segunda Guerra Mundial: 1) a demanda crescente para publicação, o que forçou as revistas a utilizarem um mecanismo avaliativo para selecionar quais manuscritos deveriam publicar; e 2) com a especialização das áreas, após os anos de 1960, os editores não puderam mais responder por tantas áreas e temáticas, exigindo, assim, outros especialistas para revisar os manuscritos.

O segundo e mais recente mecanismo de monitoramento da atividade científica, a avaliação por indicadores de desempenho, é concebido nos anos de 1960, em um cenário onde o número cada vez maior de cientistas competia avidamente por recursos para C&T cada vez mais escassos. Exatamente sobre esse momento, Velho (1985) comenta:

"[...] tornava-se necessário avaliar e monitorar a atividade científica por pelo menos três razões: a) para assegurar que a ciência participasse efetivamente na consecução dos objetivos econômicos e sociais dos diferentes países; b) porque a disponibilidade de recursos para esta atividade é limitada e obviamente compete com os demais setores de investimento público; c) porque o procedimento de deixar a decisão de alocar os recursos para ciência exclusivamente com os próprios participantes dessa atividade deixava muito a desejar".

Esse cenário favoreceu uma série de iniciativas, especialmente entre especialistas e analistas de órgãos de fomento de C&T de países europeus e dos EUA, as quais, em oposição à avaliação pelos pares, buscavam estabelecer um mecanismo externo de monitoramento e avaliação da ciência, com base em critérios objetivos. Assim, logo após a Segunda Guerra Mundial, essas iniciativas focaram-se em critérios que avaliavam a atividade a partir de indicadores de insumos (inputs). Nas décadas seguintes, o foco passou a ser nos resultados (outputs). É nesse contexto que são organizados seminários e encontros, os quais resultam na elaboração de diversos documentos, tal como o Manual Frascati, o primeiro documento internacional a propor um conjunto de indicadores para avaliar e monitorar a atividade científica e tecnológica que poderia ser utilizado por diferentes países de forma sistemática e comparativa (Liberal, 2005).

A construção desses indicadores acontece em um momento em que uma nova área do conhecimento estava se consolidando, a cientometria. A área, que tem suas origens no início do século XX, se dedica a investigar a ciência e os cientistas a partir de produtos gerados por eles próprios, tais como patentes, artigos e livros; sobre esses produtos é possível conduzir análises estatísticas para investigar perfis e tendências da própria ciência. Tais estudos ganham reforço com a criação de bases informacionais, repositórios do conhecimento científico e tecnológico, de onde era possível acessar e coletar informações (padronizadas) sobre produtos ou resultados da atividade científica. Assim, rapidamente as bases teóricas e os principais objetos de análise da cientometria se disseminam, sendo incorporados aos processos de formulação de indicadores objetivos, quantitativos, elaborados por órgãos de governo com o intuito de medir e avaliar a ciência de um país, de uma área e mesmo de uma comunidade.

A cientometria tem se mostrado cada vez mais um campo científico multidisciplinar, estabelecendo elos com várias áreas e outros campos do conhecimento, incluindo sociologia, informática, estatística, linguística, biblioteconomia, ciências políticas, etc. (Glänzel, 2005). Como consequência, os estudos originados nesse campo, a maior parte deles conduzida por especialistas de outras áreas e campos, aplicam-se a uma variedade de enfoques. Para Okubo (1997), por exemplo, as informações geradas nos estudos cientométricos se aplicam a diferentes propósitos, como: aos estudos da história da ciência, aos estudos das ciências sociais e à documentação de periódicos. Mais recentemente, Schoepflin e Glänzel (2001) destacam como principais abordagens e temáticas desses estudos: 1) teoria, leis e modelos; 2) estudo de casos; 3) novas metodologias e aplicações; 4) indicadores de tecnologia; 5) interface com aspectos ou temáticas da sociologia da ciência; e 6) discussões em torno de políticas e gestão em C&T.

Seja qual for o uso, abordagem e/ou propósito, as variáveis mais frequentemente utilizadas nos estudos desses campos são: 1) número de publicações; 2) número de citações; e 3) número de coautorias. A seguir, será apresentada uma breve revisão bibliográfica dos estudos que investigam a ciência brasileira a partir dessas variáveis.

 

A CIÊNCIA BRASILEIRA E OS ESTUDOS CIENTOMÉTRICOS

Recentemente uma extensa matéria (Regalado, 2010) sobre a ciência brasileira causou impacto não apenas à comunidade científica do país, mas também a todos os leitores da prestigiada revista científica Science. O texto, intitulado "Brazilian Science: Riding a Gusher", chama atenção para os efeitos positivos que a expansão da economia e as descobertas de petróleo poderão proporcionar à pesquisa brasileira, mas, ao mesmo tempo, aponta para os prejuízos que o atual sistema educacional, que é fraco, pode causar para o país e para a atividade.

Dentre os indicadores de desempenho da ciência brasileira apresentados no texto da Science, destaca-se o número de publicações em revistas catalogadas pela base de dados ISI/Thomson Reuters. Os dados, compilados em conjunto pelo MCT e ISI/Thomson Reuters, indicam que o número de publicações de autores brasileiros em periódicos catalogados nessa base passou de 6.038, em 1997, para 32.100, em 2007. Tal aumento foi acompanhado também por um aumento na fração que as publicações brasileiras representam nessa base: de 0,8% para 2,7% no mesmo período. Esse desempenho, segundo o autor, levou o Brasil a ocupar a 13ª posição mundial em publicações científicas, à frente da Holanda, Israel e Suíça.

Exaltações semelhantes em torno do desempenho científico brasileiro no cenário mundial têm sido cada vez mais frequentes, tanto na mídia nacional como na internacional, especializada ou não em temas científicos (exemplos: King, 2009; Folha de S. Paulo, 2009; BBC/Brasil).

Como visto mais adiante, os estudos acadêmicos sobre a ciência brasileira, com base em indicadores cientométricos, se iniciam no final dos anos de 1970. Já na década de 1980 ocorrem as primeiras iniciativas de institutos e órgãos vinculados aos governos, nas diversas esferas, que pretendiam divulgar estatísticas e indicadores de C&T, tanto de desempenho, como também de recursos humanos e gastos. Esforços mais recentes, especialmente do Ministério da Ciência e Tecnologia (Brasil, 2001; Brasil, 2002), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp, 2002; 2005), da Academia Brasileira de Ciência (ABC, 2002) e também de instituições internacionais, como a Unesco (2010), apontam para o uso estratégico que uma série bem estruturada de indicadores de C&T pode representar seja para conhecer o setor, seja como instrumento auxiliar para desenhar políticas.

No meio acadêmico, um dos mais recentes estudos foi conduzido, em 2009, por Peter Ingwersen (2009), que retratou as tendências da produção científica brasileira de 1981 a 2005. Acompanhando o foco do trabalho pioneiro de Morel e Morel, Ingwersen também traça comparações entre o desempenho brasileiro e de outros dois países, México e África do Sul. Dentre os resultados, o autor destaca que, diferente desses dois países, o perfil da produção científica brasileira tornou-se mais global, em termos de temáticas e periódicos.

Em uma busca na Internet, é possível encontrar algumas centenas de publicações que buscam, a partir dos indicadores cientométricos, entender e identificar tendências e perfis da ciência brasileira1. A maior parte foca na produção científica de uma determinada área e/ou temática. Dentre essas publicações, também se encontram livros e capítulos de livros, especialmente alguns organizados por órgãos governamentais, tanto da esfera federal como da estadual.

Utilizando alguns filtros, no Google Acadêmico, é possível chegar a uma lista reduzida dessas publicações, que está apresentada no Quadro 1, em que foram incluídas somente publicações no formato de artigos publicados em periódicos científicos nacionais ou internacionais.

Dos dezesseis trabalhos, onze foram publicados nesta última década, todos têm como foco a ciência brasileira e somente um deles não tem autoria de brasileiro. Importante também notar que a maior parte dos dados apresentados retrata principalmente o cenário da ciência brasileira nos anos de 1980, um período em que o país passou por grande instabilidade econômica. Finalmente, com exceção do trabalho de Mugnaini e col. (2004), os demais utilizam dados extraídos da base ISI/Thomson.

Todos os estudos têm caráter descritivo, ou seja, buscam essencialmente descrever características da ciência brasileira a partir de algumas variáveis objetivas, sem que haja qualquer interferência do investigador. Já em relação ao foco do trabalho, fica evidente que predominam os estudos acerca da variável publicação. A única exceção é o trabalho de autoria de Meneghini e Packer (2006), que se propõe a identificar o núcleo de excelência da ciência brasileira a partir dos trabalhos brasileiros de maior repercussão, estimada pelas citações que esses trabalhos receberam.

A seguir, são apresentados detalhes das dezesseis publicações no que tange à variável publicação.

 

CIÊNCIA BRASILEIRA: O QUE DIZEM OS ESTUDOS CIENTOMÉTRICOS SOBRE AS PUBLICAÇÕES?

Como resultado mais frequente em torno da variável publicação, os estudos apontam para um forte aumento do número de publicações brasileiras na base do ISI, que tem ampla visibilidade no cenário da ciência mundial. Alguns estudos, no entanto, também analisam o impacto de tal aumento no total das publicações da base e identificam um aumento da fração de participação do Brasil nessa base (Quadro 2). Esse é o caso dos estudos de Morel e Morel (1977), Leta e De Meis (1996), Meneghini (1996), Sikka (1997), Chaimovich (2000), Pinheiro-Machado e Oliveira (2001), Zanotto (2002), Glanzel e col (2006), Brito Cruz (2007) e De Meis e col. (2007). Todos esses autores apontam um significativo aumento da parcela de participação brasileira (em termos de número de publicações) na base do ISI, parcela essa que é maior ou menor dependendo do período de estudo.

 

 

O trabalho de Morel e Morel, muito embora indique aumento da fração que as publicações brasileiras representavam na base, foca na contribuição do Brasil na base do ISI a partir do número de autores. Para essa variável, os autores também observam um forte aumento: "em números absolutos, nossa produção cresceu de 207 autores em 1967 para 988 em 1974. Nossa posição relativa nesse período não se alterou muito: 329º em 1967, 339º em 1968, 32º em 1969, 31º em 1970, 33º em 1971, 32º em 1972, 31º em 1973 e 29º em 1974".

Já Meneghini (1996), que foca principalmente a variável coautoria, não apenas descreve o aumento da participação brasileira na base do ISI, mas também aponta para um forte aumento de publicações realizadas em colaboração, especialmente aqueles com parceiros internacionais. Segundo o autor, haveria, portanto, uma forte relação entre colaboração (expressa pelas coautorias) e fração da publicação na base ISI. Nas palavras de Meneghini: "[...] the possibility of Brazilian scientists tasting the search of scientific findings at the frontiers of science is increasing as a function of more international collaboration".

Mugnaini e col. (2004), ao utilizarem a base Pascal, indicam que "entre 1991 e 2000, houve um aumento de cerca de 120% da produção científica brasileira registrada na base, tendo passado de 2.642 para 5.822 artigos". Os autores sugerem que tal crescimento está associado não apenas a um aumento da "internacionalização da produção em C&T" no período, mas também à "ampliação da cobertura do número de revistas indexadas pela base bibliográfica".

Parte dessas 16 publicações apresenta a informação sobre as áreas de maior destaque na produção científica do país. Para isso, utilizam, essencialmente, um cálculo que tem como base a razão entre o total de publicações da área e o total do país. Gläzel e col. (2006), no entanto, utilizam cálculo um pouco mais complexo, em que o total de publicações de uma determinada área do país é normalizado pelo total de área do mundo (a própria base), o que permite traçar comparações mais fidedignas dos desempenhos de área entre diferentes países.

Independentemente do cálculo, observa-se certa homogeneidade em relação às áreas apontadas, pelos diferentes autores, como de melhor destaque e/ou maior contribuição. Nesse caso, as áreas mais apontadas são as ciências biomédicas, física, ciências biológicas e agrárias. Países com melhor desempenho nessas áreas são classificados como países que seguem o modelo "bio-ambiental". Tal classificação, proposta em 1997, está descrita no 2nd European Report on S&T Indicators (Reist-2, 1997). Importante também notar que as áreas que aparecem como as de melhor desempenho foram a base da construção da ciência brasileira (Schwartzman, 2001).

Vale a pena mencionar a análise competente conduzida por Meneghini e Packer (2006), que indicou a medicina como a área mais frequente entre as 37 publicações brasileiras mais citadas (citação > 250). Nesse reduzido universo, porém de maior visibilidade e/ou impacto, os autores identificaram dezoito publicações cuja área principal era medicina. Finalmente, o peso da medicina na produção científica brasileira foi também notado por Mugnaini e col. (2004), os quais, diferente dos demais estudos, utilizaram a base de dados Pascal, cuja cobertura prioriza publicações das ciências naturais e tecnológicas.

Interessante é o fato de que, segundo Glänzel e col. (2006), a medicina é uma das áreas de menor desempenho no Brasil (variável publicações) quando comparada ao restante da base.

Por fim, como último item de análise, seis dos dezesseis estudos destacam o forte papel das universidades públicas brasileiras como principais instituições da pesquisa brasileira. Tal desempenho contrasta com a baixa participação do setor privado, como descrevem Velloso e col. (2004) e Leta e col. (2006). Como resultado mais evidente desses trabalhos aparece a Universidade de São Paulo (USP) como a instituição que mais contribui para a produção científica brasileira, indexada na base do ISI. A soma das publicações da USP (aquelas que apresentam pelo menos um endereço de autor filiado à USP) representa cerca de ¼ das publicações totais do país. O papel de principal instituição de pesquisa do país é resultado de pelo menos dois fatores: a concepção que estava por trás da criação da USP, que nasce como a primeira universidade de pesquisa do país, e o forte e contínuo investimento que é concedido à instituição pela agência Fapesp, que permitiu (permite) o fortalecimento e consolidação da atividade seja em termos de infraestrutura, seja em termos de formação de pessoal qualificado.

Unicamp e UFRJ são as duas instituições que aparecem logo abaixo da USP, cada uma com participação que varia entre 8 e 10% do total brasileiro, dependendo do período estudado.

 

CRESCIMENTO DA CIÊNCIA BRASILEIRA NO CENÁRIO INTERNACIONAL: UMA QUESTÃO DE COBERTURA DAS BASES?

Nos últimos anos a ciência brasileira ganhou repercussão no cenário nacional e internacional. Muito embora diversos pesquisadores brasileiros tenham recebido importantes premiações internacionais nos últimos anos2, é o crescimento da produção científica brasileira nas bases informacionais internacionais que tem levado a ciência brasileira à mídia.

É importante, no entanto, considerar tal desempenho como um resultado do modelo de avaliação dos pesquisadores brasileiros, implantado nas últimas décadas pela Capes. Esse modelo tende a priorizar o cumprimento de padrões internacionais, estimulando e valorizando a comunicação científica publicada em periódicos de alto impacto e de visibilidade internacional. Por outro lado, é também importante considerar a possibilidade de esse crescimento ser um reflexo das dinâmicas de inclusão e exclusão de periódicos das bases informacionais. Um mecanismo contínuo das bases de dados, o qual visa equalizar a relação entre múltiplos fatores: demanda crescente pela inclusão de novos periódicos, desempenho dos periódicos já incluídos na base e limitação física das bases, dentre outros (Garfield, 1990; Testa, 1998). Por diversos interesses, essa relação dificilmente se mostrará a favor de uma cobertura mais equilibrada de periódicos no que tange ao país de origem, à língua e à área do periódico.

Assim, considerando-se a cobertura das principais bases informacionais da literatura científica internacional, com caráter multidisciplinar, é possível afirmar que o crescimento da produção científica ocorreu por uma maior inserção da ciência brasileira em veículos internacionais? Ou será que esse processo foi resultado de uma maior inserção de periódicos brasileiros nas bases? Ou ainda outro motivo ou um conjunto deles é responsável por esse processo?

Como tentativa de obter respostas para essas indagações, algumas informações sobre a produção científica em periódicos indexados por duas bases, Web of Science (WoS), da ISI/Thomson, e Scopus, da Elsevier, foram coletadas3. As informações sobre total de publicações, publicações no formato artigo original, idioma da publicação e periódicos centrais são analisadas em nove biênios, que se iniciam em 1969 e 70 e se referem aos totais 176.964 e 168.005 de publicações indexadas nas bases da Scopus e da WoS, respectivamente.

A Figura 1 mostra a evolução, nas duas bases, das publicações que contêm pelo menos um autor com endereço no Brasil, que cresce com a mesma tendência em ambas as bases. Importante notar que há diferença na cobertura das duas bases: a WoS cobre um número maior de publicações brasileiras até os anos de 1990; depois disso, a Scopus assume esse papel. Nos anos mais recentes, a Scopus catalogou 77.122 publicações brasileiras, enquanto a WoS 70.623, uma diferença que está próxima dos 10%.

Com base na Figura 1, foi possível investigar três critérios: formato em artigo original e idioma da publicação, que permitem entender para qual público essas publicações estão destinadas (Tabela 1) e o país de origem dos periódicos (Tabela 2).

 

 

Sobre o formato da publicação, é importante lembrar que, ao longo dos poucos séculos de institucionalização da ciência moderna, a comunicação escrita entre os cientistas tem se mantido em contínua atualização e mudança. Cartas e livros já foram os principais meios de divulgação de novos conhecimentos. Mas, pelo menos desde o século XVII, essa função passou a ser dos artigos originais (papers), publicados pelas revistas científicas. É possível, assim, observar que os artigos originais representam a maior parcela da publicação brasileira indexada nas duas bases. Nos anos mais recentes, os artigos representam cerca de 80% do total de publicação brasileira. Mas essa é uma fração que oscila de forma significativa, especialmente na base Scopus.

Como não há dados semelhantes para outros países, não é possível afirmar que essa seja uma tendência natural dentro das bases. No entanto, a se desconsiderar o volume de publicações que não se constituem em publicação de novo conhecimento, deve-se esperar que o crescimento da ciência brasileira nessas bases ocorra num ritmo e velocidade menores do que o que vem sendo divulgado atualmente.

Outra informação coletada refere-se ao idioma da publicação. Inicialmente, os idiomas da ciência eram o latim e o italiano, mas aos poucos foram cedendo lugar para outras línguas até a consolidação do inglês como a língua franca da ciência (Meadows, 1974). Segundo Crystal (2003), esse fato tem suas origens no papel de dominador que o império britânico exerceu nos últimos séculos assim como no papel de grande potência econômica e militar que os Estados Unidos assumem no pós-Segunda Guerra Mundial. É, portanto, inquestionável a presença cada vez mais forte da língua inglesa como componente fundamental na ciência global. Assim, ter o domínio de uma língua universal é requisito para fazer parte desse universo, a ciência central (Filgueiras, 2001). De fato, segundo Van Leeuwen e col. (2001), de cada 100 periódicos indexados na base Thomson/ISI, 95 são escritos em inglês.

A maior parte da ciência brasileira está escrita na língua franca, no inglês. Com algumas variações, é possível observar que cerca de 80% das publicações brasileiras estão em inglês. Isso lhes garante maior visibilidade, uma vez que aumentam as chances de que pesquisadores de diferentes países tenham interesse e consigam ler seus trabalhos. Chama atenção, no entanto, o percentual de publicações que estão escritas em outros idiomas: 19,7% e 25% escritas em português no último biênio (dados não apresentados). Muito embora essas publicações estejam catalogadas em duas bases internacionais, não apenas visibilidade, mas a leitura e a compreensão desses trabalhos ficam comprometidas uma vez que não estão escritos no idioma "oficial" da ciência.

Finalmente, um terceiro e último dado coletado e que caracteriza as publicações brasileiras, nestas bases, foi o país de origem dos periódicos (Tabela 2). Para esta análise, optou-se por focar a distribuição e origem dos periódicos centrais ou core journals, que são aqueles em que está publicado 1/3 da produção científica4. Para uma determinada área do conhecimento, as publicações contidas nesse conjunto de periódicos expressam o núcleo central da área. Para uma instituição ou para um país, elas expressam os caminhos centrais por onde passam seus esforços científicos. Considerando, portanto, esta premissa, foram analisadas as publicações da WoS e da Scopus. Para ambas as bases, é possível observar um aumento significativo desses periódicos. Na WoS, o número de periódicos centrais passou de 1, no biênio 1969-70, para 97, no biênio 2009-10; já na Scopus, esse aumento foi de 11 para 160, no mesmo período. Assim, como uma primeira conclusão, a ciência brasileira, ao longo dos anos, deixou de ser concentrada, ganhou novos espaços provavelmente também novos públicos, nova audiência.

A esse respeito, é possível inferir que, sobre os 33% da produção brasileira indexada nas duas bases, os novos espaços de divulgação da produção brasileira parecem ser velhos conhecidos dos pesquisadores brasileiros. Ao longo do período, a fração de periódicos centrais nacionais é por vezes maior do que a fração internacional. Para o último biênio, por exemplo, os periódicos centrais nacionais representam 63,1% e 63,9% do total de periódicos centrais da Scopus e WoS, respectivamente.

A fração de publicações brasileiras em core journals nacionais oscila nas duas bases, especialmente na WoS. O predomínio de periódicos centrais nacionais no último biênio é acompanhado pelo aumento da fração de publicações nesses veículos, que chegou a 71% e 73% na Scopus e na WoS, respectivamente. Assim, além de serem mais periódicos nacionais responsáveis pelo 1/3 de publicações, eles também concentram a maior parte dessas publicações.

Essa constatação leva a mais uma conclusão: os novos e recentes espaços conquistados pela ciência brasileira, nas bases de dados internacionais, não são tão novos assim. São caminhos conhecidos internamente, mas que ganharam visibilidade internacional com a recente indexação pelas bases.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de institucionalização do setor de ciência e tecnologia no Brasil bem como de o formação e expansão da comunidade científica têm suas origens nos anos de 1950, quando uma série de iniciativas e ações de governo, baseadas na ideia da ciência como "fronteira sem fim"5, passou a nortear o setor, financiando projetos em todos os campos do conhecimento. Nesse momento da história recente do país, a meta era investir na construção de infraestrutura de ciência e tecnologia e, para isso, era necessária a criação de instituições de financiamento, como CNPq e Capes, que são fundadas nesse contexto. Nas décadas seguintes, uma série de políticas públicas voltadas para a formação de recursos humanos para o setor (exemplo: 1º Plano Nacional de Pós-Graduação) é elaborada enfatizando o papel da universidade como elemento central não apenas da pós-graduação, mas da ciência brasileira. Como resultado, observa-se a multiplicação, em todo o país e nas mais diversas áreas do conhecimento, dos programas de pós-graduação que permitiram o avanço e consolidação do parque científico e tecnológico no país.

Uma consequência natural desse movimento foi o aumento de diversos indicadores associados à produção acadêmica científica. Assim, foi notável o aumento no número de pesquisadores (indicadores de insumo), no número de titulações, especialmente de doutores (indicadores de processo), no número de teses e publicações em periódicos (indicadores de produto). Uma análise recente sobre esses diversos indicadores é apresentada por Brito Cruz e Chaimovich (2010).

É incontestável, porém, o crescimento das publicações brasileiras nos diversos formatos e veículos. O crescimento quantitativo desses produtos da ciência é uma consequência natural desse processo e, mais recentemente, é também resultado do processo de avaliação da pós-graduação. Em muitos casos, para manterem seu status quo, muitos programas de pós-graduação impõem critérios rígidos de produtividade para docentes e discentes. Assim, se por um lado os pesquisadores brasileiros são forçados a um modelo internacionalizado de ciência, no qual se privilegiam temáticas e veículos de visibilidade internacional, por outro lado, vivem a rotina do publish or perish.

Nesse contexto, os periódicos nacionais acabam assumindo um papel coadjuvante na divulgação da ciência brasileira. Sobre isso, Muller (1995) apresenta uma bela reflexão, na qual a autora chama atenção para os efeitos da baixa visibilidade e de financiamento assim como para os problemas de distribuição, acesso e periodicidade. Assim, não ter um ou todos esses aspectos leva o periódico a um "círculo vicioso", em que os que nada têm perdem cada vez mais, não conseguindo entrar no círculo de periódicos mais prestigiosos.

Os dados mostrados aqui revelam, no entanto, que boa parte da produção científica brasileira, reconhecida como internacional, está, na verdade, em periódicos nacionais, a maior parte deles indexada recentemente pelas bases. A inclusão ou exclusão de um periódico por esss bases é um processo complexo e de múltiplos interesses. No caso brasileiro, fica evidente o papel do projeto SciELO, que, dentre tantos outros aspectos, tem fortalecido o processo editorial e de publicação de centenas de periódicos brasileiros, o que lhes tem garantido o padrão de qualidade necessário para serem incorporados nas bases internacionais (Meneghini, 2002).

 

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1 Na busca na Internet, a partir do motor de busca Google Acadêmico, foram considerados os termos "Brazilian science", "science in Brazil", "ciência no Brasil", "ciência brasileira", "produção científica", "produção científica brasileira" para os quais foram obtidos os resultados: 41, 85, 75, 40, 962 e 95 artigos, respectivamente. Para a inclusão no Quadro 1 foram consideradas: 1) apresentar indicadores de output da ciência brasileira; 2) período de análise ser igual ou maior a cinco anos; 3) ênfase na ciência brasileira; e 4) estar publicado em periódico. Além disso, publicações em formato de livro e tese não foram incluídas.
2 Alguns exemplos: Mayana Zatz, docente da USP, ganhou o Prêmio México de Ciência e Tecnologia em 2009; Patrícia Médici, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Ecológicas, ganhou o Golden Ark Award, em 2008; Jerson Silva, docente da UFRJ, recebeu o prêmio em Biologia da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento, em 2005.
3 Consultas realizadas no dia 1/12/2010. Na Scopus, foi utilizado o filtro affiliation igual a "Brasil" OR "Brazil" mais o filtro publication year igual ao biênio desejado. Em seguida, os resultados foram refinados seguindo os critérios de document type, language e source title. Na WoS, foi utilizado o filtro address igual ao "Brasil" OR "Brazil" mais o filtro timespan igual ao biênio desejado. Em seguida, os resultados foram refinados segundo os critérios subject área, document type, language e source title.
4 Lei de Bradford, ou Lei de Dispersão, "if scientific journals are arranged in order of decreasing productivity on a given subject, they may be divided into a nucleus of journals more particularly devoted to the subject and several groups or zones containing the same number of articles as thenucleus when the numbers of periodicals in the nucleus and the succeeding zones will be as 1: b : b² ..." (Glänzel, 2005, p. 6).
5 Em 1945, Vannevar Bush apresentou o estudo intitulado "Science: the Endless Frontier" que norteou o modelo de desenvolvimento linear, conhecido como science pushed que sintetizou o posicionamento do governo federal, da indústria, da academia e da sociedade norte-americana no período do pós-guerra (National Science Foundation, Science & Engineering Indicators. 2000).