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Revista USP
Print version ISSN 0103-9989
Rev. USP no.89 São Paulo Mar./May 2011
Tópicos sobre ciência e tecnologia no Brasil: apresentação
Carlos Henrique de Brito Cruz
Diretor científico da Fapesp
Neste número da Revista USP apresentamos uma coletânea de artigos sobre a C&T no Brasil.
Em 2010, cientistas sediados no Brasil publicaram 31.965 artigos científicos1 em revistas de circulação internacional, segundo o Web of Science. Embora a taxa de crescimento forte verificada há alguns anos tenha se arrefecido - de 2009 para 2010 a variação foi de 0,5% -, o valor absoluto de artigos já é suficientemente grande para que o país seja considerado um dos importantes produtores de ciência no mundo. O impacto dessas publicações vem crescendo. Por exemplo, a média de citações alcançada pelos artigos publicados em 1994, nos 24 meses subsequentes à publicação, foi de 1,45. Essa média, para artigos de 2007, já é de 2,05. Abel Packer e Jacqueline Leta tratam dos desafios relativos à publicação científica em dois artigos neste dossiê.
Alguns marcos que determinam essa evolução são conhecidos: a criação da USP em 1934, a inserção do artigo que originou a Fapesp na Constituição Paulista de 1947, a criação do CNPq e da Capes em 1951; a criação e implantação do Inpe de 1961 a 1971; a inauguração da Fapesp em 1962; a criação do Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa na USP em 1962; a criação da Finep, da Unicamp e da Embraer em 1967; do FNDCT em 1969, do Proálcool em 1975 e da Unesp em 1976; a instituição do Ministério da Ciência e Tecnologia em 1986, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron de 1988 a 1996, dos Fundos Setoriais de 1999 a 2002; a retomada de várias fundações estaduais a partir de 2004; o fim do contigenciamento sobre os fundos setoriais a partir de 2008 e o estabelecimento do programa de INCTs, em 2008, numa bem-sucedida parceria entre a União e estados.
O aumento da qualidade e da quantidade dos artigos guarda relação com a intensidade dos Dispêndios Nacionais em Pesquisa e Desenvolvimento (DNPD), que incluem em dispêndios públicos e privados medidos em relação ao PIB. Depois de atingir um ponto mínimo em 2004, quando foi de 0,9% do PIB, a intensidade do dispêndio está estimada pelo MCT para 2009 em 1,19% do PIB2. Se na intensidade a melhoria é discreta (em 2001 a intensidade foi 1,04% do PIB), o valor absoluto cresceu mais solidamente, em decorrência do aumento do valor do PIB: em 2008, o dispêndio total foi 29% superior ao de 2000, calculando-se em reais corrigidos pelo IGP-DI. No entanto, a crise fiscal revelada em 2010 obrigou o governo federal a realizar corte de 22,3% no orçamento do MCT3.
A Tabela 1 mostra os valores dos dispêndios nacionais em P&D para 2009 classificados segundo a função e a natureza administrativa da fonte dos recursos.
O dispêndio público responde por 52% do total. Da parte pública, 69% são aplicados por fontes federais e 31% por fontes estaduais. Do dispêndio federal total de R$ 13,462 bilhões, 18% são aplicados no estado de São Paulo, responsável por aproximadamente 50% dos artigos científicos criados no país e publicados em revistas internacionais. Por isso, nesse estado, as fontes estaduais são especialmente importantes: representam 62% do dispêndio público estadual e 38% do federal4. O artigo de Mario Neto Borges trata das mudanças no financiamento trazidas por agências estaduais ocorrido nos últimos anos.
Num recorte diferente, o ensino superior representa 25% das fontes de recursos para P&D, sendo que somente 8% (807 milhões) são aplicados por instituições particulares de ensino superior. Agências de financiamento, institutos públicos de pesquisa e dispêndios diretos estatais representam 28% das fontes de recursos, enquanto empresas contribuem com 46%.
A Figura 1 mostra uma comparação da situação brasileira com a de alguns outros países no que diz respeito à intensidade (dispêndio/PIB) do dispêndio em P&D e de suas componentes governamental e empresarial.
A posição do Brasil entre os países comparadores escolhidos é pior no caso da intensidade do dispêndio empresarial em P&D do que no caso da intensidade do dispêndio governamental. Por isso, um dos mais importantes desafios para o país é criar as condições para aumentar o esforço de P&D empresarial. Três artigos neste número tratam do assunto: os de Carlos Calmanovici, Carlos Pacheco e de Sérgio Queiroz. Além desses, o papel de institutos públicos de pesquisa na aceleração do processo de inovação empresarial no Brasil é analisado no artigo de João Fernando Gomes de Oliveira e Luciana Oliveira Telles. O limitado esforço empresarial em P&D afeta, é claro, a análise feita por João Furtado sobre os desafios relacionados à composição da balança de pagamentos tecnológicos.
Em sintonia com o artigo de João Fernando e Luciana, Gilberto Câmara, do Inpe, analisa o histórico dos cinquenta anos de atuação do instituto que dirige; e Hernán Chaimovich, do Instituto Butantan, reflete sobre o papel da instituição na associação virtuosa entre a criação de ciência, tecnologia e a produção de vacinas e soros.
Novos desafios surgiram nos últimos anos: por exemplo, o avanço da pesquisa em biologia molecular e suas aplicações trouxe ao país o debate sobre a regulação e os impactos das descobertas científicas e seus usos, o que é discutido por Walter Colli, ex-presidente da CTNBio.
Quanto às áreas do conhecimento, para ilustrar alguns avanços recentes e considerando as limitações de espaço, escolhemos analisar neste dossiê as ciências da computação, em artigo de Claúdia B. Medeiros; a biodiversidade, em artigo de Carlos Joly, Célio F. B. Haddad, Luciano M. Verdade, Mariana Cabral de Oliveira, Vanderlan da Silva Bolzani e Roberto G. S. Berlink, membros da Coordenação do Programa Biota Fapesp; astronomia, por João Steiner, Laerte Sodré, Augusto Damineli e Cláudia Mendes de Oliveira; e óleo e gás, por Claudio Oller e Lincoln Fernando L. Moro.
Finalmente, Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenador da 4ª Conferência Nacional de C&T&I (2009), contribui com um artigo que discute as principais conclusões e propostas do evento.
O conjunto do dossiê permite conhecer alguns aspectos importantes da ciência e tecnologia no Brasil. Cabe alertar que não se pretendeu exaurir aqui o tema. Outras oportunidades para complementar o debate certamente existirão na Revista USP.
1 Contagem realizada em 30 de março de 2011 com a restrição a Document Type=(Article OR Letter OR Proceedings Paper).
2 Valor reportado na página web de Indicadores de C&T do MCT em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/29144.html, consultada em 3 de abril de 2011. Esse valor provavelmente superestima os dispêndios em P&D do setor privado pois, para a estimativa, aplica a mesma taxa de crescimento verificada de 2000 a 2005 aos anos pós-2005, e sabe-se que houve um importante decréscimo nos investimentos privados devido à crise econômica mundial de 2008-09. De qualquer modo a diferença parece não ser muito grande visto que o valor estimado pelo setor de Indicadores da Fapesp para 2009 é 1,11% do PIB.
3 "Orçamento 2011 do MCT Sofre Corte de 22,3%", in Inovação Unicamp, 21 de fevereiro de 2011 (ver: http://www.inovacao.unicamp.br/report/noticias/index.php ?cod=863).
4 Dados de 2009 calculados pelo setor de Indicadores de C&T&I da Fapesp.