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Revista USP

Print version ISSN 0103-9989

Rev. USP  no.89 São Paulo Mar./May 2011

 

Petróleo: energia do presente, matéria-prima do futuro?

 

 

Claudio Augusto Oller NascimentoI; Lincoln Fernando Lautenschlager MoroII

IProfessor titular do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da USP
IICoordenador executivo do Centro de Excelência em Tecnologia de Automação Industrial (Cetai) da Petrobras

 

 


RESUMO

Hoje, o petróleo e o carvão são responsáveis pela maior parte de geração de energia no mundo. No futuro próximo há poucas perspectivas de mudanças da matriz energética mundial. O processo de combustão de combustíveis fósseis atualmente empregados é extremamente ineficiente sendo boa parte da energia perdida. Enquanto uma revolução tecnológica na área de energia não chega, temos que trabalhar na eficiência e melhor conhecer essa maravilhosa matéria-prima que é o petróleo. A história nos ensina: no fim do século XIX o principal produto obtido do petróleo era o querosene para iluminação, e a gasolina era jogada fora. A grande dúvida ainda é sobre o potencial de inovação nessa área já tão desenvolvida que é a do petróleo. Isso é verdade em termos do uso de petróleo como combustível mas não como um supridor de matérias-primas. A Petrobras hoje tornou-se um novo financiador e organizador de pesquisas científicas e tecnológicas na área de petróleo e energia no Brasil, focando o futuro da indústria do petróleo.

Palavras-chave: petróleo, técnicas de química analítica, refinaria de petróleo.


ABSTRACT

Nowadays oil and coal account for most of world energy generation. The near future offers few perspectives of change in the world energy matrix. The process of fossil fuel combustion used today is extremely inefficient, as a good deal of ener-gy is wasted. While a technological revolution in the energy area doesn't come, we have to work on raising the efficiency level, and on understanding better this wonderful raw material which oil is. We have history to teach us: at the end of the XIX century the main product obtained from oil was kerosene for lighting, and gas was thrown away. The biggest doubt is still about the potential for innovation in the oil area, which is already very developed. That is true as regards the use of oil as fuel, but not as a supplier of raw materials. Today Petrobras has become a new sponsor and organizer of scientific and technological research in the area of oil and energy in Brazil, focusing on the future of the oil industry.

Keywords: oil, analytical chemistry techniques, oil refinery.


 

 

INTRODUÇÃO

Petróleo: uma História Mundial de Conquistas, Poder e Dinheiro, do jornalista Daniel Yergin (2010), é uma leitura interessante da história do petróleo que deveria ser quase obrigatória para os pesquisadores. Além de inúmeras curiosidades, tais como a origem do nome da companhia Shell, batizada por Jacob, seu fundador, que revolucionou o transporte de petróleo através de navios-tanques (pois até então o petróleo era transportado em barris, origem da medida de petróleo em barris), em homenagem a seu pai, um comerciante de conchas em Londres.

O aumento da procura do petróleo no século XIX se deu principalmente frente à necessidade de querosene para iluminação em substituição ao óleo de baleia, que se tornava cada vez mais caro. Produtos como a gasolina ou o diesel eram simplesmente descartados. Na época, o querosene de qualidade era aquele que não incorporava frações correspondentes à gasolina, pois haveria probabilidade de explosão, ou de diesel, que geraria uma chama fuliginosa. A cor azul preponderante em companhias de petróleo veio da cor das latas de querosene, que não explodiam (selo de qualidade). Talvez daqui a 50-100 anos, olhando para trás, diremos: que desperdício queimar essa matéria-prima tão rica!

O petróleo, de fato, é uma matéria-prima extremamente rica e diversificada, pois o número de componentes chega a mais de 40 mil substâncias. Em função dessa grande complexidade, na indústria de refino de petróleo, a maior parte do processamento se baseia em informações físico-químicas relativamente simples, tais como viscosidade, densidade (ºAPI) e curva de destilação. Grande parte das frações do petróleo obtidas no processo de refino (gasolina, diesel, óleo pesado, querosene, GLP - gás liquefeito de petróleo) é empregada em processos de combustão para gerar energia ou para movimentar cargas e pessoas. Apenas uma pequena parte é empregada como matéria-prima na indústria petroquímica.

Nos últimos 10-15 anos está ocorrendo uma grande evolução na área de química analítica voltada para a indústria de processos. Isso abre espaço para um melhor aproveitamento das frações do petróleo para utilizações mais nobres como, por exemplo, matérias-primas para a indústria petroquímica. A transferência para a área tecnológica de conhecimentos mais relacionados à química, tais como espectrometrias (infravermelho próximo, fluorescência), espectrometrias de massa (FT, Maldi TOF, ION-TOF) e ressonância magnética nuclear, começa a ter um enorme reflexo na cadeia da indústria de petróleo, iniciando mudanças de conceitos de processo e otimização nesse setor industrial.

Genomas e proteomas que estão revolucionando o conhecimento na área biológica começam a ter seu análogo na área de petróleo, a petroleômica. A diversidade e a quantidade de substâncias existentes no petróleo têm tudo a ver com a sua origem: microbiana.

 

INDÚSTRIA DO PETRÓLEO - CONHECER MELHOR O PETRÓLEO

Atualmente, na área de refino de petróleo, as informações que se utilizam para guiar o processo de refino são basicamente dados de propriedades físico-químicas (viscosidade, densidade, curva de destilação). Essa caracterização está se mostrando cada vez mais insuficiente, especialmente em países como o Brasil, onde é frequente a mudança do tipo de petróleo processado (em média a cada três dias muda a procedência do petróleo). Embora a mudança não possa ultrapassar certos limites operacionais, ou seja, é necessário manter algumas propriedades dentro de certas faixas (por exemplo, densidade, o conhecido ºAPI), a distribuição dos produtos tende a ser diferente, assim como sua qualidade, o que pode gerar correntes fora de especificação.

Informações moleculares começam a ser empregadas na identificação de petróleos e na previsão de suas propriedades físico-químicas, o que é feito, normalmente, por meio de softwares. Essa tecnologia começa a ser implantada em refinarias no Brasil, mas ainda de maneira tímida. O próximo passo será conseguir adequar o processo somente a partir de informações moleculares.

A ciência entra principalmente na etapa de identificação das substâncias do petróleo através de propriedades espectrométricas (NIR, fluorescência, Raman, espectrometria de massa - FT-IR, Maldi-TOF, IT-TOF) e na correlação entre essas informações através de algoritmos matemáticos.

Novas oportunidades em ciência e tecnologia se abrem na identificação das impressões digitais dos petróleos (Zahlsen & Eide, 2006) através da espectrometria de massa, a qual é capaz de estabelecer padrões do petróleo. A petroleoma estabelece novos parâmetros no conhecimento do petróleo, empregando técnicas de espectrometria de massa transformada de Fourier, cujas novas tecnologias apresentam enorme precisão (Marshall & Rodgers, 2008; Mullins et al., 2007; Qian, 2001). Estudos mostram que também é possível identificar petróleos com espectrometria de fluorescência (Al-Muhareb et al., 2007, Lopes-Genjo et al., 2008) para a caracterização e obtenção de suas impressões digitais. Além disso, a espectrometria do infravermelho próximo (NIR) já demonstrou sua utilidade na identificação em tempo real do petróleo que está sendo processado em refinaria (Falla et al., 2006).

Para que todas essas informações e como utilizá-las?

Para tentar responder a essa pergunta, mostramos dois exemplos que estão muito próximos a nós pela ampla divulgação que tiveram em jornais e televisão.

Exemplo interessante que conhecemos no nosso cotidiano, e ultimamente muito divulgado na mídia, é relacionado com a quantidade de enxofre contido no diesel. É sabido que um problema ambiental, principalmente urbano, é a qualidade do diesel empregado em regiões metropolitanas. O enxofre por si só é um poluente, pois sua combustão gera óxidos que, ao se combinarem com a umidade do ar, provocam a chamada chuva ácida (que contém ácidos sulfúrico e sulfuroso). Além disso, a utilização de combustíveis com baixo teor de enxofre é condição necessária para a adoção de motores a ciclo diesel mais eficientes e dotados de sofisticados sistemas de redução de poluentes.

O processo industrial da retirada desse enxofre do óleo diesel é feito através de hidrogenação do óleo a altas pressões e temperaturas (quanto maior a quantidade de enxofre a ser removida, mais severa tem que ser a reação química, isto é, maiores temperatura e pressão). Esse processo tecnológico é muito bem conhecido, mas a maior severidade nas reações significa também maiores custos econômicos e ambientais. Mas por que também ambientais? Porque, para aumentar a severidade, gastamos mais energia (produzindo mais CO2) e, com isso, temos um aparente paradoxo, pois diminuímos o enxofre, mas aumentamos a emissão de CO2! Nesse ponto é onde se pode encontrar a diferença entre conhecer e não conhecer a composição detalhada do petróleo, já que ele é constituído por milhares de substâncias e, dentre elas, centenas e centenas de compostos contendo enxofre. As reatividades desses compostos sulfurados não são iguais e, portanto, podemos escolher petróleos que tenham uma composição com compostos de enxofre mais reativos, o que resultará em condições de processo menos severas (temperaturas e pressões mais baixas). Tudo isso significará menos enxofre no combustível e menos emissão de CO2 no processamento.

Outro exemplo são os derrames de petróleo. Em muitos deles se conhece claramente a procedência, tais como os que ocorreram no Golfo do México, na Baía da Guanabara e tantos outros. No entanto, muitos derrames não são facilmente identificados. Como consequência não se consegue determinar os responsáveis, o que também pode impedir que se tomem medidas para evitar a repetição dessas ocorrências.

Um dos efeitos poluentes do manuseio do petróleo, que é pouco divulgado, está relacionado à lavagem de navios-tanques, que deveria ser realizada em alto-mar, mas muitas vezes ocorre próximo à costa. Como se pode identificar a origem desse petróleo? Entra aí o conhecimento das impressões digitais, que permite identificar a origem do petróleo mesmo que este permaneça alguns dias no mar. Técnicas de fluorescência, FT-IR, CG-MS permitem uma identificação bem precisa (podendo-se construir os petroleomas).

Mesmo assim, em certos casos a identificação não é possível, em especial quando frações do petróleo foram submetidas a alguns tipos de processamento químico, como, por exemplo, o craqueamento, que destrói a estrutura original do petróleo.

Na física, uma das áreas de grande desenvolvimento são as tecnologias empregando laser. Sistemas a laser denominados de Lidar (light detection and ranging) ou também, algumas vezes, de radar laser, já são utilizados para determinação de aerossóis na alta atmosfera (em dias claros e dependendo da potência do laser pode-se medir a mais de 30 km de altura), na área ambiental, para monitoramento de poluentes em cidades (Berlin tinha um sistema desse tipo). Esse sistema começa a ter aplicações não somente no monitoramento de poluentes (a princípio pode detectar qualquer substância que absorva ou em sistemas particulados que difratem o laser). A grande vantagem é que se pode operar o sistema a distância, pois ele funciona de modo semelhante a um radar. Essa tecnologia pode se tornar uma ferramenta importante não só na monitoração de poluentes mas no aprimoramento de processos industriais. Uma das dificuldades nesse campo na área industrial é a possibilidade de se medir gases e partículas de chaminés, de tochas (flare). Essas medidas apresentam atualmente sérias dificuldades tecnológicas.

Medidas precisas desses efluentes gasosos e particulados podem ser importantes no controle do processo e, portanto, na diminuição das emissões de produtos não desejáveis na atmosfera.

 

INDÚSTRIA DE PETRÓLEO - O PROCESSAMENTO

Grande parte dos processos da indústria do petróleo é bem conhecida. As inovações nessa área são mais factíveis de serem aplicadas na integração dos vários processos que a compõem. Grandes avanços científicos e tecnológicos já vêm acontecendo na área de controle e otimização de processos. Os primeiros passos nessas mudanças de conceitos iniciaram-se com o advento da instrumentação digital e dos sistemas digitais de controle (cerca de trinta anos atrás). O controle passou de mono para multivariável. Sistemas chamados de controle avançado são hoje uma realidade tecnológica amplamente utilizada no mundo todo, sendo que na Petrobras é feita com tecnologia nacional. Processos individuais na área de refino são, em sua maioria, controlados por meio de sistemas multivariáveis e, hoje, começa-se a aplicar sistema de otimização, integrando-o ao sistema de controle avançado.

O grande desafio hoje nessa área é a interação dos vários processos na otimização global, pois esta não resulta simplesmente da "soma" das otimizações individuais dos processos. A forte dependência entre os processos em uma refinaria de petróleo (pois os vários processos trocam entre si energia e matéria) representa um grande desafio científico e tecnológico. Nesse estágio, começa-se a pensar em sistemas contendo milhares de variáveis (ao invés de apenas algumas dezenas) e, como os processos na sua grande maioria são não lineares (mais difíceis de resolver matematicamente), o desafio que desponta é a necessidade de ferramentas matemáticas mais poderosas e eficientes do que as que se conhece hoje na área de engenharia. O desafio seguinte envolve a integração entre produção e consumo de produtos em sistemas contendo várias refinarias, petróleos vindos de vários locais e com características diferentes, resultando em um gigantesco problema de otimização. Devido à abrangência desses problemas, mesmo pequenas melhorias nessas áreas significam grandes ganhos.

 

A REFINARIA DO FUTURO

No médio prazo a refinaria do futuro será um sistema em que todos os processos serão integrados e os controles de processos não serão mais individualizados, mas sim integrados, visando à otimização global. Isso propiciará enormes ganhos energéticos e ambientais e diminuirá significativamente a energia e as matérias-primas consumidas no processamento do petróleo. Para se ter uma ideia, para cada m3 de petróleo processado chega-se a usar 1 m3 de água. Uma única refinaria pode usar mais água que uma cidade de 200 mil habitantes.

No médio prazo é altamente provável que o principal objetivo de uma refinaria seja ainda a produção de combustíveis. No entanto, haverá um aumento significativo na obtenção de matérias-primas contidas no petróleo para uso na indústria petroquímica. Nessa refinaria do futuro a operação das unidades se baseará em informações moleculares do petróleo e será constituída de sistemas totalmente integrados de energia e massa.

Esse futuro dependerá de uma aplicação maciça da engenharia de processos que, por definição, é uma área transversal às ciências básicas, pois, para ser aplicada, exige muito conhecimento químico, dominado pelos químicos e não pelos engenheiros, e muito conhecimento matemático, necessário à solução de sistemas não lineares com milhares de variáveis, além de, cada vez mais, muito conhecimento na área ambiental.

A refinaria do futuro, no longo prazo, não será mais um supridor de combustível para queima e produção de energia, mas sim uma provedora de matérias-primas para a indústria petroquímica e química e será integrada em uma cadeia envolvendo matérias-primas renováveis. No futuro poderemos usar cada um dos milhares de substâncias contidas no petróleo do modo mais nobre possível, evitando ao máximo sua simples queima para produção de energia.

 

A PETROBRAS COMO INDUTOR DE PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

A Petrobras, a partir de 1992, iniciou um processo de identificação em sua estrutura de pesquisa (comparando internacionalmente) das áreas de desenvolvimento tecnológico dentro da empresa. Na época, sete dessas áreas foram consideradas de excelência comparadas às tecnologias existentes. A partir dessas análises, em 1996 a Petrobras iniciou a implantação, dentro de sua estrutura de P&D, dos centros de excelência tecnológicos. Esses centros possuem uma estrutura na qual as universidades têm um papel importante e, nesse contexto, existe, para cada um desses centros, uma universidade âncora.

Poucos desses centros estão localizados fisicamente fora da Petrobras. Podemos citar o Centro de Excelência em Automação Industrial localizado na Escola Politécnica da USP.

Com o fim do monopólio do petróleo, foi criada a Agência Nacional de Petróleo (ANP) e, dentro dos contratos de concessão, havia a exigência de investimento em P&D na área de petróleo. Esses recursos poderiam ser aplicados nas estruturas internas de pesquisa da Petrobras (até o valor de 50%) e a outra parte (no mínimo 50%) em universidades e instituições de pesquisas. Esses recursos referem-se a um percentual (1%) da produção de petróleo dos chamados poços com grande produtividade. Desses recursos, 40% deveriam ser aplicados nas áreas do Nordeste, Norte e Centro-Oeste do Brasil e 60% no Sul e Sudeste. Um volume substancial de recursos começou a ser investido nas universidades brasileiras. A Petrobras criou um conjunto de redes de pesquisa em temas sobre diversos assuntos da área da empresa e muitos deles relacionados com os centros de excelência existentes. Cerca de 42 redes foram criadas. Essas redes de pesquisa foram organizadas pelo Centro de Pesquisa da Petrobras (Cenpes). Em uma primeira etapa, a Petrobras priorizou projetos com o objetivo de montar infraestrutura de pesquisa em grande parte das universidades de pesquisa brasileiras. Na segunda etapa iniciou-se o desenvolvimento de projetos de P&D

Em recente artigo publicado na Science (3 de dezembro de 2010), com o título de "Brazilian Science: Riding a Gusher", de Antonio Regalado, é mostrado o volume de recursos que a Petrobras está investindo por ano em P&D (um bilhão de dólares), incluindo cerca de 225 milhões de dólares nas universidades brasileiras. O diretor da Coppe-UFRJ, Segen Farid Estefen, declarou que a instituição recebe cerca de 60 milhões de dólares da Petrobras por ano.

As universidades e instituições de pesquisas paulistas não têm explorado seu potencial de pesquisa científica e tecnológica por um maior financiamento de P&D pela Petrobras. Ocorre pouca articulação institucional das universidades paulistas com a Petrobras e, como consequência, pouca participação nesses recursos.

 

BIBLIOGRAFIA

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