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Revista USP
Print version ISSN 0103-9989
Rev. USP no.89 São Paulo Mar./May 2011
A pesquisa em astronomia no Brasil
João Steiner; Laerte Sodré; Augusto Damineli; Cláudia Mendes de Oliveira
Professores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP
RESUMO
Apresentamos uma breve história da pesquisa na astronomia brasileira. Ela teve grande impulso a partir de 1970, tendo crescido em produção científica a uma taxa média anual de cerca de 11% até 2000. Daí em diante a taxa de crescimento diminuiu apreciavelmente. Apresentamos, também, um recenseamento dos grupos de pesquisa e das pós-graduações. Existem pesquisadores com doutorado em astronomia em 41 instituições, a maioria com apenas um ou dois pesquisadores. Os programas de pós-graduação formam, atualmente, cerca de 30 mestres e 25 doutores por ano. Finalmente apresentamos algumas perspectivas assim como nosso ponto de vista sobre o acordo do Brasil com o European Southern Observatory (ESO).
Palavras-chave: astronomia brasileira, ensino, pesquisa, ESO.
ABSTRACT
In this article we present a brief history of Brazilian astronomical research. It experienced a big boom which started in the 1970s; and its scientific output grew at an average rate of 11% a year until 2000. From that point on the growth rate has decreased considerably. We also present a census on research groups and graduate programs. There are researchers holding a PhD degree in Astronomy in 41 institutions, and most of them have just one or two researchers. Currently the graduate programs grant 30 Masters and 25 Doctoral degrees a year. Finally, we present some perspectives as well as our own viewpoint on the agreement Brazil has entered into with the European Southern Observatory (ESO).
Keywords: Brazilian astronomy, teaching, research, ESO.
ASPECTOS HISTÓRICOS
A astronomia brasileira, enquanto ciência institucionalizada e produtiva, é uma atividade recente. Ela se desenvolveu a partir da implantação da pós-gradua-ção, no início da década de 1970. Apesar disso, houve iniciativas muito anteriores; o primeiro observatório astronômico instalado no Brasil, na verdade o primeiro no hemisfério sul, ocorreu em 1639 no palácio Friburgo, Recife, pelo astrônomo holandês Georg Markgraf (1616-44); é notável que isso tenha acontecido apenas trinta anos após Galileu ter apontado a sua luneta para o céu. Esse observatório foi destruído em 1643 durante a expulsão dos holandeses. Mais tarde os jesuítas instalaram um observatório no Morro do Castelo, na cidade do Rio de Janeiro, em 1730.
Alguns anos após a Declaração da Independência, em 15 de outubro de 1827, foi assinado por D. Pedro I o ato de criação do Imperial Observatório do Rio de Janeiro; com a Proclamação da República, passou a ser denominado Observatório do Rio de Janeiro e, décadas mais tarde, Observatório Nacional. Trata-se, pois, de uma das mais antigas instituições científicas brasileiras. No final do século XIX e início do século XX, o Observatório Nacional organizou ou participou de diversas expedições científicas de astronomia, sendo a mais famosa a que confirmou a Teoria da Relatividade em Sobral (CE), em 1919, comandada por uma equipe inglesa.
Curiosamente, a primeira esposa de D. Pedro I, a imperatriz Dona Leopoldina, era astrônoma amadora, gosto que seu filho D. Pedro II herdou. Ambos eram dedicados ao estudo das ciências, e a astronomia era, para D. Pedro II, a predileta das ciências. Consta que, entre os planos não realizados no seu longo reinado, estava a construção de um "moderno observatório astronômico e duas universidades".
No início do século XX constroem-se observatórios em Porto Alegre e São Paulo, mas somente nas décadas de 1960 e de 1970, com a construção de um telescópio de 60 cm no ITA, em São José dos Campos, e a instalação de telescópios de 50-60 cm em Belo Horizonte, Porto Alegre e Valinhos, começaram realmente as pesquisas em astrofísica no país. Nessa época, chegaram os três primeiros doutores em astronomia, formados no exterior, que participaram da instalação dos programas de pós-graduação no país.
Paralelamente se inicia a construção do Observatório do Pico dos Dias, no qual foi inaugurado em 1981 o telescópio de 1,60 m, cuja operação ficou sob responsabilidade do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), criado em 1985. Esse foi, de fato, o primeiro laboratório nacional efetivamente criado no Brasil. A operação desse laboratório nacional procurou seguir as melhores práticas internacionais na gestão e utilização dos seus equipamentos. Com isso a comunidade astronômica se desenvolveu e pôde dar um passo além, com a entrada no Consórcio Gemini, em 1993, e formando o Consórcio Soar, em 1998.
Ainda em 1974 foi instalado o radiotelescópio para ondas milimétricas com diâmetro de 13,4 m, em Atibaia, SP. Nesse radiotelescópio foram feitas as principais pesquisas em radioastronomia no Brasil até hoje. Mais tarde foi instalado o Telescópio Solar Submilimétrico, em El Leoncito, Argentina.
Na área espacial o Brasil participou desde os anos de 1970 de voos de balões estratosféricos, nos quais voaram equipamentos para observar a radiação cósmica de fundo e fontes de raios X.
A astronomia hoje está consolidada em diversas instituições do país, e o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG) é, no momento, a maior delas. O IAG originou-se na Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, em 1886, e foi integrado à USP em 1934. Atualmente é a mais importante instituição do país em número de pesquisadores, em produção e na pós-graduação (nota 7 na Capes), com cerca de 1/3 dos estudantes de astronomia do país.
GRUPOS DE PESQUISA
A pós-graduação teve um papel importante no sentido de impulsionar a formação de nove mestres e doutores no país. Em 1981 o Brasil já contava com 41 doutores em astronomia. Hoje existem 234 doutores empregados em 40 instituições, além de 60 pós-doutores. Algumas instituições são bastante grandes, enquanto a maioria das instituições conta com apenas um ou dois profissionais. Com o início da pós-graduação, a produção científica brasileira na área da astronomia também teve um grande desenvolvimento. No ano de 1965, ela praticamente não existia, no sentido de que não há registro de trabalho científico publicado em revista indexada. No ano de 1970 já houve oito artigos publicados. Nos trinta anos seguintes (1970-2000) a taxa média de crescimento anual dos artigos publicados foi de 11,1%. Essa fase representa a consolidação da astronomia brasileira, com o estabelecimento de uma infraestrutura observacional (instalação da antena de radioastronomia de Atibaia e do telescópio de 1,60 m do OPD), a implantação da pós-graduação, com o retorno de doutores formados no exterior e a contratação de profissionais por universidades e institutos federais de pesquisa. Nesse período formou-se uma comunidade que aprendeu a usar da melhor forma os recursos disponíveis e a publicar os resultados. Além disso, o uso sistemático da Internet deu aos pesquisadores brasileiros, antes isolados pelas grandes distâncias, muito maior capacidade de articulação e levou à formação de networkings nacionais e internacionais.
Já nos anos de 2000-08 essa taxa foi bem menor: ~1%. Isso também se deve a diversos fatores:
O número de contratações de professores e pesquisadores em longo período anterior foi muito pequeno; o quadro, estagnado, passou a envelhecer.
A antena de Atibaia deixou de ser competitiva. Os telescópios do OPD, apesar de produtivos, eram competitivos apenas na área estelar, uma vez que novos e modernos telescópios, instalados em sítios muito superiores, passaram a dar apoio muito mais efetivo à astronomia, principalmente a extragaláctica.
Muitos estudantes deixaram de procurar a área da astronomia.
Esse quadro está mudando. Alguns indicadores sugerem que a astronomia no Brasil está voltando a ter um crescimento mais dinâmico. Isso se deve a:
A entrada do Brasil nos consórcios Gemini e Soar começa a dar resultados em ritmo crescente.
Novos estudantes estão sendo atraídos para a área em número e qualidade crescentes. São 90 alunos de mestrado e 130 de doutorado matriculados nos programas de pós-graduação.
Novas contratações de profissionais estão sendo feitas, principalmente em universidades. Novos grupos de pesquisa se formam em universidades nas quais não havia astrônomos até recentemente, inclusive universidades privadas.
A descoberta da energia escura tem motivado um grande número de trabalhos na área de cosmologia teórica, hoje, já a segunda área mais produtiva. Outras áreas novas de pesquisa como a física de asteroides e exoplanetas também têm mostrado produção crescente.
Os maiores grupos de pesquisa em astronomia estão concentrados na USP e nas universidades federais UFRGS, UFRJ e UFRN assim como nos institutos do MCT, Observatório Nacional e Inpe. Todos eles mantêm programas de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado. No entanto, outros grupos menores também participam de programas de pós-graduação, quase sempre em conjunto com os programas de física. São no total dezesseis programas que oferecem mestrado e doze que oferecem doutorado em astronomia.
As principais áreas de pesquisa são astronomia estelar (óptica e infravermelha), que produz 30%, cosmologia teórica, com 17%, e astronomia extragaláctica, com 13% dos artigos publicados em 2008. Algumas áreas tiveram desenvolvimento bastante recentemente, como física de asteroides (6%) e exoplanetas (3%). Esta última se desenvolveu graças à participação do Brasil no satélite Corot.
A PÓS-GRADUAÇÃO EM ASTRONOMIA
No Brasil, a grande maioria dos pesquisadores em astronomia e astrofísica fez bacharelado em física e depois mestrado e doutorado em astronomia. A UFRJ oferece curso de graduação em astronomia há mais de cinquenta anos; a USP iniciou uma habilitação em astronomia junto ao bacharelado em física em 1997 e um bacharelado específico no ano de 2009.
No âmbito da pós-graduação em astronomia, os primeiros cursos foram no Instituto Tecnológico da Aeronáutica, na Universidade Mackenzie e no Instituto Astronômico e Geofísico da USP, entre 1969 e 1971, seguidos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, mais tarde, no Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, na Universidade Federal de Minas Gerais e na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente catorze programas já fornecem titulação e novos programas estão iniciando.
É importante realçar que um profissional de astronomia só entra realmente no mercado de trabalho após obter o doutorado. Durante os últimos anos da graduação e durante toda a pós-graduação, a grande maioria dos estudantes recebe bolsa das agências financiadoras brasileiras, CNPq, Capes e Fapesp, esta última em São Paulo.
Os astrônomos profissionais trabalham nos institutos de pesquisa do Ministério de Ciência e Tecnologia (Inpe, ON, LNA, CBPF) e nas universidades. Uma parcela ainda pequena trabalha em empresas privadas, como Embratel, mas a grande capacitação em informática que eles adquirem tem levado alguns para a área de computação e instrumentação.
OS TELESCÓPIOS GEMINI E SOAR
A criação do Laboratório Nacional de Astrofísica consolidou a astronomia observacional no Brasil, dando apoio aos programas de pós-graduação e desenvolvendo instrumentos de observação. Com isso o Brasil se credenciou para integrar um consórcio internacional formado pelos EUA (50%), Inglaterra (25%), Canadá (15%), Austrália (5%), Argentina (2,5%) e Brasil (2,5%) para construir e operar dois telescópios de oito metros - os telescópios Gemini. Os telescópios foram instalados no Havaí e Chile. Esse consórcio foi formado em 1993 e os primeiros artigos saíram em 2000. A participação brasileira no Gemini tem sido bastante bem-sucedida, estando o Brasil entre os parceiros mais produtivos e de maior impacto.
Em 1996 foi formado outro consórcio para construir e operar um telescópio de 4,1 metros: o Telescópio Soar (Southern Telescope for Astrophysical Research). Os parceiros são MCT (34%), e as instituições americanas Noao (33%), UNC (16%) e MSU (14%). Esse telescópio ainda está comissionando alguns instrumentos, não estando, pois, em ritmo de cruzeiro. Do ponto de vista do Brasil, já podemos dizer que o Soar viabilizou nossa capacitação de construir instrumentos de classe mundial.
Como consequência da participação nos consórcios Gemini e Soar, temos a oportunidade de, além disso, aplicar, para a observação de tempo no Subaru, os telescópios Keck e Blanco e, além disso, temos também acesso ao CFHT. O Brasil é o único país em desenvolvimento que tem acesso a telescópios de 8 m e 4 m e um dos poucos países no mundo com acesso a esse tamanho de telescópios em ambos os hemisférios. Essa situação privilegiada foi alcançada com um investimento de 30 milhões de dólares nos últimos dezessete anos. Esta é provavelmente uma das melhores relações custo/benefício de qualquer astronomia nacional do mundo.
DESENVOLVIMENTO DE INSTRUMENTAÇÃO CIENTÍFICA: DA INOVAÇÃO À CIÊNCIA
A astronomia é uma ciência básica. Sua missão é nos dizer de onde viemos, onde estamos e para onde vamos. Seu objetivo é, pois, avançar a fronteira do conhecimento. No entanto, ao longo de toda a história, essa ciência avançou pari passu com o desenvolvimento tecnológico. Muitas vezes se beneficiando dele, muitas vezes o promovendo direta ou indiretamente. Exemplos disso são tantos que seria tedioso enumerá-los.
Se o objetivo da ciência da astronomia é fazer pesquisa básica, ela pode ser desenvolvida promovendo o desenvolvimento de instrumentação de ponta; dessa forma se incentiva a cultura da inovação tecnológica. Isso se dá pelo treinamento de cientistas e técnicos em tecnologias emergentes, necessárias para a pesquisa astronômica de ponta. Ao contrário de muitas áreas da ciência nas quais avanços científicos deságuam em inovação tecnológica, na astronomia ocorre o contrário. Para que possa haver avanço científico, é necessário avançar as fronteiras tecnológicas e promover, indiretamente, a inovação.
A participação brasileira no telescópio Soar viabilizou, pela primeira vez, a construção efetiva de instrumentos modernos, de classe mundial, para grandes telescópios. Os instrumentos construídos até o momento são:
SIFS - Soar Integral Field Spectrograph - espectrógrafo de campo integral, com 1.300 fibras ópticas.
BTFI - Brazilian Tunable Filter Imager - um imageador Fabry-Perrot combinando capacidade de produzir imagens com alta e baixa resolução espectral.
Steles - espectrógrafo Echelle de alta resolução para o Soar.
SOBRE O FUTURO DA PESQUISA EM ASTRONOMIA NO BRASIL
A astronomia contemporânea é uma ciência vibrante. Revoluções acontecem em escalas de décadas, não mais de séculos:
"Há quinze anos, não conhecíamos um único exoplaneta, hoje conhecemos mais de quinhentos.
Há quinze anos, nós sabíamos que o Universo estava se expandindo; hoje sabemos que essa expansão está sendo acelerada: foi descoberta a energia escura.
Há quinze anos, sabia-se sobre a falta de massa e tínhamos estimativas aproximadas sobre seu valor; hoje sabemos com precisão qual a percentagem da matéria que é escura.
Há quinze anos, nós suspeitávamos que os buracos negros supermassivos estavam associados a quasars; hoje sabemos que eles habitam a maioria das galáxias massivas; a massa de mais de cinquenta desses buracos negros tem sido medida, incluindo os da Via Láctea e Andrômeda.
Há quinze anos, nós conhecíamos a idade do universo com uma precisão de 20%. Hoje nós a conhecemos com 1%: 13,72 ± 0,12 bilhões de anos".
Os enigmas da natureza da energia escura e da matéria escura estão, seguramente, entre as questões mais fundamentais da ciência contemporânea. Abordá-las exige estratégias especiais.
Acreditamos que a atual estratégia de desenvolvimento da astronomia brasileira deva ser continuada e aprofundada. Vários projetos têm sido discutidos e alguns já foram financiados.
Podemos citar o projeto J-PAS (Javalambra Physics of Accelerating Universe Astrophysical Survey), uma parceria com os espanhóis para construir um telescópio de 2,5 m cujo objetivo é estudar grandes estruturas no universo, em especial, um fenômeno cosmológico conhecido como BAO (barionic accoustic oscillation). Os objetivos principais são estudar a natureza da energia escura e a evolução de galáxias, mas a gama de aplicações científicas possíveis é enorme. Os espanhóis estão construindo o telescópio e o Brasil, a câmera. Esse projeto já se encontra totalmente financiado. Outra iniciativa é copiar esse telescópio para o hemisfério sul. Seria uma complementação muito interessante ao projeto americano LSST (Large Synoptic Survey Telescope), que revolucionará a astronomia em vários aspectos. A partir disso poderíamos estabelecer diversas parcerias científicas de amplo interesse para a comunidade brasileira.
Há interesse da comunidade argentina de intensificar a colaboração científica com o Brasil. Isso se reflete nos projetos Abras (Argentina-Brazil Astronomical Center), que está instalando um pequeno telescópio otimizado para o infravermelho a 5.000 metros de altura em Cerro Macon, Argentina. A existência do Alma (Atacama Large Milimetric Array) no Chile suscitou a ideia de uma parceria entre o Brasil e a Argentina para fazer uma rede de interferometria milimétrica (denominada Lhama). Essa ideia tem tido amplo apoio na comunidade e possibilitaria um bem-vindo fortalecimento da radioastronomia no Brasil.
O Consórcio Gemini está discutindo a reestruturação de sua parceria a partir de 2012. Dado o bom aproveitamento científico por parte do Brasil, teríamos a oportunidade de aumentar nossa participação para 10%, assumindo parte da cota da Inglaterra, que está se retirando.
Satélites científicos têm sido historicamente uma oportunidade não só de engajar a comunidade científica para desenvolver a tecnologia espacial, como de oferecer oportunidades de pesquisas em plataformas espaciais que não podem ser feitas a partir do solo. Essa área, essencial para o sucesso científico e tecnológico do país, ainda está muito pouco desenvolvida.
Finalmente, no longo prazo, existem os projetos de ELTs (Extremely Large Telescopes). Três projetos têm sido discutidos:
GMT (Giant Magellan Telescope): telescópio de 24 metros a ser construído no Chile, pelo Carnegie Institution for Science, University of Texas at Austin, Harvard University, Australian National University, Smithsonian Astrophysical Observatory, University of Arizona, Texas A&M University, Astronomy Australia Ltd., Korea Astronomy and Space Science Institute e The University of Chicago. O custo de construção é de 706 milhões de dólares e o custo de operação é de 20 milhões de dólares anuais. Antevê-se ainda a necessidade de um programa de instrumentação de 13 milhões de dólares anuais. O Brasil recebeu uma oferta de participar com um mínimo de 5% nesse projeto.
TMT (Thirty Meter Telescope): um telescópio de 30 metros a ser construído no Havaí pelo Caltech, Universidade da Califórnia, Canadá, Japão, China e, possivelmente, a Índia. O custo do telescópio é de 1 bilhão de dólares e o custo de operação é de 27 milhões de dólares anuais, com a previsão de um programa de instrumentação de 15 a 25 milhões de dólares anuais. O Brasil recebeu uma proposta de participar com 10% nesse projeto.
E-ELT (European Extremely Large Telescope): um telescópio de 42 metros a ser construído no Chile pelo ESO. O custo previsto é de 1 bilhão de euros, com um custo de operação de 60 milhões de euros por ano e um programa de instrumentação ainda não orçado. O acordo Brasil-ESO prevê que o Brasil utilizaria esse equipamento competindo pelo acesso ao tempo de telescópio.
A decisão sobre em que projeto participar deve levar em conta tanto o interesse científico quanto as possibilidades de envolvimento ativo no desenvolvimento instrumental. O anúncio da adesão do Brasil ao ESO atropelou uma discussão que estava havendo com representantes desses três consórcios e que buscava maximizar o retorno científico e tecnológico para o país.
O ACORDO BRASIL-ESO: ELE É BOM PARA O BRASIL?
Contexto
No dia 29 de dezembro passado, o ministro Sérgio Machado Rezende assinou o acordo de adesão do Brasil ao Observatório Europeu do Sul (European Southern Observatory - ESO), que dá acesso aos astrônomos brasileiros (e seus alunos e pós-doutores) a utilizar mais de uma dezena de telescópios no hemisfério sul e a participar da construção do telescópio gigante de 42 m, o E-ELT, e do radiotelescópio Alma. O custo é de 250 milhões de euros pagos em onze anos, após os quais o Brasil passará a ser membro pleno, pagando um valor anual que será proporcional ao PIB brasileiro e ao custo operacional de todas as operações do ESO.
A adesão do Brasil ao ESO foi apresentada na revista Nature (janeiro de 2011) como um grande impulso para a nossa astronomia e uma oportunidade para nossa indústria de alta tecnologia; parte da comunidade científica da área da astronomia discorda dessa visão.
A lógica de funcionamento do ESO
Pela lógica do ESO e pelos termos do acordo assinado, o Brasil pagará, nos próximos onze anos, 250 milhões de euros, com uma contribuição financeira crescente até se tornar membro pleno após onze anos. A contribuição de cada membro pleno é proporcional ao seu PIB (se o Brasil fosse membro pleno hoje, pagaria por 10% das contribuições totais - para comparação a Espanha pagou, em 2009, 9,5% e o Reino Unido, 16%). O Brasil pagará, pois, um custo equivalente ao que pagam países como Espanha, Inglaterra e Itália, que têm PIB semelhante ao do Brasil e número de astrônomos pelo menos três vezes maior e muito mais preparados para competir por tempo de telescópio.
Isso significa que, mesmo pagando 250 milhões de euros nos próximos 10 anos e mais de 10% da contribuição total do ESO, será que nossa comunidade terá a oportunidade de desenvolver seus potenciais inatos e sua liderança sob o guarda-chuva do ESO? O Soar e o Gemini foram landmarks para a inserção do Brasil na astronomia internacional precisamente porque tivemos a oportunidade de moldar nossa participação nesses observatórios da maneira que bem escolhemos, no sentido de atender às necessidades de nossa comunidade. Enquanto nos consórcios Gemini e Soar o Brasil tem uma fração de tempo de telescópio fixa que pode ser usada estrategicamente para desenvolver a nossa capacidade científica (com comitê nacional de alocação de tempo de telescópios), na comunidade do ESO, os brasileiros terão que competir com os cientistas dos países europeus, com mais forte tradição científica e muito maior e mais bem preparada comunidade de astrônomos (o comitê de alocação de tempo de telescópios é internacional). Isso significa que estaremos correndo o risco de ter uma fração muito pequena do seu tempo de observação e a maioria dos projetos terá apenas o acesso a equipamentos menores, mais velhos e menos competitivos. Isso não retribui nem de longe o 1 milhão de reais por semana que estaremos pagando.
Há de se considerar, ainda, que daqui a onze anos o custo de operação do ESO será significativamente maior do que o de hoje, particularmente com o início das operações do E-ELT e Alma, e se a economia brasileira crescer mais do que a europeia, nós acabaremos pagando muito mais do que a fração atual de 10% de uma conta que pode facilmente vir a ser o dobro dos atuais 15 milhões de euros anuais - podendo o Brasil, inclusive, passar a ser o principal financiador do ESO, mas com um número relativo de astrônomos significativamente menor e, consequentemente, com um retorno científico e tecnológico menor. Na prática, estaríamos subsidiando o funcionamento do ESO e da astronomia europeia.
Ademais, mesmo com uma taxa de crescimento do número de astrônomos o triplo da atual, o tamanho de nossa comunidade será, em dez anos, ainda três vezes menor do que o das comunidades de países como Inglaterra, Itália, França e Alemanha, mesmo se essas comunidades não apresentarem nenhum crescimento futuro.
Desenvolvimento de instrumentação
O modelo do observatório ESO assegura tempo de telescópio cativo a grupos que constroem novos instrumentos astronômicos. O ESO paga pelos custos do hardware para os instrumentos a serem desenvolvidos pelas equipes dos países membros, mas não paga pela mão de obra, que deve ser suprida pelas equipes. Esse é um sistema que funciona muito bem para países que têm um vigoroso programa nacional de instrumentação, como França, Inglaterra e Alemanha, que recebem grandes quantidades de "tempo garantido" de telescópio, tempo este que é descontado do pool de tempo de telescópio total do consórcio. Uma consequência direta para os países menos desenvolvidos é, na prática, uma diminuição do tempo total de telescópio disponível devido aos tempos cativos que beneficiam principalmente os países mais desenvolvidos. Além disso, esses países também não têm acesso aos "alvos cativos" mais interessantes para cada instrumento, e que estão reservados para seus construtores.
A possibilidade de se treinar pessoal qualificado, principalmente em áreas técnicas, em instituições participantes do consórcio, é dada como outra grande vantagem para a entrada do Brasil no ESO. Vale salientar que o Brasil já tem no momento muitas oportunidades de treinamento de pessoal técnico qualificado no exterior, em colaborações com o Gemini, Soar ou Corot, em áreas importantes como software, óptica adaptativa e mecânica de alta precisão. Essas oportunidades foram pouco utilizadas por falta de pessoal no Brasil para tais intercâmbios. Esses números tendem a aumentar com as colaborações brasileiras em novos projetos internacionais como o DES, JPAS e Sumire. Temos que trabalhar dentro da comunidade para fomentar essa modalidade e fazer com que esses profissionais que saem do país para treinamento sejam inseridos nas instituições brasileiras quando voltarem, mas esse é um processo lento. Isso é o que trará efetivo crescimento e fortalecimento do nosso único centro de instrumentação astronômica no país atualmente (o LNA) e possibilitará a criação de novos centros e uma maior contribuição de indústrias brasileiras em projetos instrumentais. Sem esse fortalecimento prévio, uma associação com uma instituição como o ESO, em que pagaremos uma conta equivalente (ou maior) à dos países industrializados europeus, pode significar uma fuga de nossas divisas para fomentar a astronomia e a participação da indústria europeia nos grandes projetos instrumentais, sem grandes retornos concretos para o Brasil.
O E-ELT
O ESO tem planos para construir um telescópio de 42 m (o E-ELT), com um custo de cerca de 1 bilhão de euros. Como o ESO não tem todos os recursos para iniciar a construção, uma estratégia foi elaborada para o Brasil pagar cerca de 25% disso, em troca de acesso a todas as instalações do ESO. O Brasil também poderá participar da construção do E-ELT. Porém, todos os pacotes de trabalho para o telescópio e os instrumentos de primeira luz já foram atribuídos a grupos e indústrias europeus, tanto quanto sabemos; a participação brasileira está restrita à construção civil - de baixa tecnologia - e pagando salários a trabalhadores chilenos. O Brasil não tem qualquer perspectiva de liderar a construção de instrumentos para o E-ELT a curto e médio prazo ou desempenhar um papel central em tais programas.
Ainda existem riscos significativos associados ao E-ELT. O custo final de um telescópio de 42 m pode ser significativamente maior do que 1 bilhão de euros, o que talvez force a redução de sua área coletora de luz.
Estratégias alternativas
Acreditamos que o Brasil possa adotar uma estratégia diferente para o desenvolvimento científico, a um custo dez vezes menor do que a conta que o país deverá pagar ao ESO. Essa estratégia de associação com o ESO nos parece ser uma má escolha para o uso de dinheiro público. Dado que não conseguiremos crescer numa escala nem de longe comparável a esse volume de investimentos, o Brasil terá a infraestrutura astronômica que estará entre as de pior relação custo/benefício no mundo, e pesquisadores brasileiros perderão a capacidade de fazer planejamento estratégico do país para essa área.
A astronomia instrumental tem grande potencial de inovação tecnológica e acreditamos que a estratégia que esteve sendo seguida pelo país seja mais adequada para os interesses brasileiros. Mas, para isso, é fundamental que o planejamento estratégico seja feito no país; isso não pode ser terceirizado. As negociações com o ESO foram realizadas sigilosamente por um pequeno número de pessoas, sem absolutamente nenhuma avaliação técnica ou científica, não seguindo as boas práticas nacionais e internacionais. Opções alternativas não foram devidamente analisadas. O modelo atual é baseado no protagonismo da astronomia brasileira. A associação ao ESO vai na contramão.
Conclusão
Além das oportunidades científicas, importantes são também as oportunidades para desenvolvimento das capacidades da comunidade através de desenvolvimento instrumental e programas científicos ambiciosos que utilizam esses instrumentos. Infelizmente, no ESO, dentro de uma instituição tão grande, com interesses tão diversos, há perigo de uma diluição das contribuições brasileiras, que seriam mais bem aproveitadas em grupos menores, em situações em que escolhêssemos nossos próprios projetos, sem ter que aceitar estratégias que são boas para outros, mas não para nós. No momento temos uma situação privilegiada, na qual o Brasil pode escolher o projeto em que participa, fazendo sua própria estratégia. Isso claramente acaba com a entrada do Brasil no ESO. É um casamento caríssimo, com benefícios assimétricos, e para a vida inteira.
Essa decisão de adesão ao ESO subsidia a ciência europeia e a indústria de alta tecnologia europeia com o dinheiro do contribuinte brasileiro. Esperamos, sinceramente, que o governo e o parlamento brasileiros tenham a oportunidade de corrigir essa anomalia.