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Revista USP
Print version ISSN 0103-9989
Rev. USP no.89 São Paulo Mar./May 2011
A inovação, a competitividade e a projeção mundial das empresas brasileiras
Carlos Eduardo Calmanovici
Diretor do departamento de Inovação e Tecnologia da ETH Bioenergia
RESUMO
A capacidade de inovar é determinante para a competitividade das empresas e das nações. Assim, é necessário discutir, com todos os setores da sociedade, o papel da inovação no seu desenvolvimento econômico e social. Nesse sentido, este texto procura discutir questões como investimentos em educação, a coerência e a complementaridade entre investimento público e privado em P&D (pesquisa e desenvolvimento), a governança do SNI (Sistema Nacional de Inovação) com maior participação das empresas e a propriedade intelectual como elementos importantes do ambiente de inovação de um país. Embora seja possível identificar avanços significativos nessas questões no Brasil nos últimos anos, algumas das limitações ou dificuldades ainda persistem e podem nos distanciar dos demais países na busca pela competitividade.
Palavras-chave: desenvolvimento econômico e social, inovação, investimento público e privado.
ABSTRACT
The capacity to innovate is decisive as regards competition among companies and nations. So, it is necessary to discuss with all sectors of society the role of innovation in its social and economic development. Concerning that, this text aims at discussing issues such as investments in education, the coherence and complementary relationship shared by public and private investment in R&D (Research and Development), the governance of the SNI (National Innovation System) with a bigger participation of companies, and the intellectual property as key elements in the innovation environment of a country. Although it is possible to identify some considerable advances as regards these issues in Brazil in the last few years, some of the limitations and difficulties still persist, and that can place us far from the other countries in our quest for competitiveness.
Keywords: social and economic development, innovation, public and private investment.
INTRODUÇÃO
Discutimos, aqui, a ques-tão da competitividade das empresas no contexto global a partir da perspectiva da inovação como processo e como resultado do esforço em P&D (pesquisa e desenvolvimento) no Brasil. O presente texto indica a possibilidade de diferenciação das empresas inovadoras no mercado e algumas das dificuldades do Brasil nessa busca pela competitividade. As limitações em estimular plenamente a inovação na sociedade brasileira, nas empresas em particular, subtraem competitividade ao país e representam obstáculo a um maior desenvolvimento econômico.
A adoção de uma política industrial de longo prazo na qual a inovação tenha destaque é fundamental para garantir o desenvolvimento econômico e social. Deve apontar as áreas estratégicas da economia brasileira e considerar o adensamento tecnológico da balança comercial brasileira aliando os esforços em inovação do Brasil em ciência básica e tecnologia. A busca por novos modelos, instrumentos e arranjos organizacionais é essencial para garantirmos a consolidação do existente e a evolução para uma liderança brasileira em inovação. A capacidade de inovar é determinante para a competitividade das empresas e das nações em um mundo cada vez mais globalizado. Assim, é necessário avaliar e discutir, com o conjunto da sociedade, os caminhos da inovação na prática. É necessário estimular, alinhar os esforços e criar sinergia em torno de inovações que gerem riqueza e competitividade para o país, incluindo desde investimentos em ciência básica até o sistema de incubadoras, parques tecnológicos, agências de transferência tecnológica das universidades públicas, institutos de ciência e tecnologia públicos e privados, agência de propriedade intelectual, agências públicas de fomento e empresas inovadoras que, com foco no mercado, organizem esse conjunto de investimentos sob a égide de uma visão estratégica integradora para o desenvolvimento, a produção e a comercialização de novos bens e serviços para a sociedade.
No Brasil, hoje, ciência e tecnologia fazem parte do cotidiano das pessoas através da inovação, por exemplo, quando se abastece um automóvel com etanol biocombustível ou quando se faz um tratamento de saúde especializado. Apesar dessa proximidade crescente da tecnologia com o cotidiano das pessoas, algumas das questões básicas da população permanecem sem resposta. Para que não seja apenas um mero modismo, o esforço em inovação deve estabelecer ou consolidar uma cultura inovadora genuína no país incentivando o esforço em P&D nas empresas, lócus privilegiado da inovação. E, para isso, é necessário contar com a mobilização de diversos setores da sociedade. O investimento, público ou privado, nacional ou internacional, em empresas que tenham competência em desenvolver e oferecer produtos e serviços inovadores e competitivos utilizando seu próprio conhecimento e experiência interna, e que também saibam como buscar, recuperar e valorizar conhecimento acadêmico e científico transformando-o em tecnologias com retorno para a sociedade, é o elemento fundamental desse processo de construção de trajetórias sustentáveis para a inovação. Além disso, a educação da população garante a perenização desse processo. Estamos participando de um jogo dinâmico num ambiente internacional extremamente complexo e competitivo, no qual o Brasil e a grande maioria de suas empresas ainda têm pouca penetração. Teremos que encontrar respostas para todas essas questões se quisermos algum protagonismo brasileiro nesse contexto.
É importante pontuar que a inovação é gerada, essencialmente, pela busca pela competitividade das empresas e das nações. Entender esse ponto ajudará a analisar e entender as causas para a relativamente pouca resposta e baixa aplicabilidade dos atuais instrumentos de fomentos à inovação na perspectiva do setor produtivo. Esperamos que essa contribuição seja efetiva para o aprimoramento dos mesmos, processo que deveria ser considerado natural e contínuo em qualquer situação, principalmente no contexto do jovem sistema brasileiro de inovação.
Os caminhos da inovação são vias de dois sentidos: no primeiro a inovação é "puxada" pelo mercado (market pull), isto é, quando o processo de desenvolvimento de uma inovação tem origem em uma exigência ou necessidade do mercado. Nesses casos, a inovação é comandada pela perspectiva do mercado. A empresa busca, então, o conhecimento necessário, internamente e/ou em terceiros, para desenvolver o produto que atenda às demandas do mercado. No sentido oposto, um produto inovador é desenvolvido pela empresa pela disponibilidade de um novo conhecimento ou tecnologia. Esse novo conhecimento pode ser gerado em seu próprio centro de pesquisa e/ou em uma universidade e/ou uma ICT. De qualquer modo, permitirá à empresa desenvolver e oferecer ao mercado um produto novo e competitivo. É o sentido conhecido como technology push. Frequentemente, esse segundo processo prevalece na formulação das políticas públicas de inovação.
No entanto, a prática desmente essa prevalência. A dinâmica da inovação sempre será determinada pela questão da competitividade para entendimento da motivação das empresas brasileiras qualquer que seja o sentido da demanda e da oportunidade. Nota-se, portanto, a importância do mercado e sua demanda como fator propulsor de inovações. Se, simultaneamente, com o esforço de aumentar a taxa de inovação do setor produtivo brasileiro, não houver um equivalente forte esforço e apoio para aumentar a competitividade e participação das empresas brasileiras no mercado mundial, principalmente no de bens de maior valor agregado, jamais as empresas serão protagonistas, de modo generalizado, não só no mercado de exportação de bem de maior valor agregado como no próprio mercado interno.
Nesse contexto, um fator inibidor de um esforço mais concentrado das empresas em direção a uma maior competitividade tecnológica é o fato de que as empresas nacionais, em vários setores, ainda concentram grande parte de seu esforço no mercado interno brasileiro uma vez que as atuais taxas de câmbio desestimulam uma maior inserção no mercado mundial. É natural que, com a melhor distribuição de renda da população e com os avanços na educação das pessoas, o nível de exigência evolua de forma significativa estimulando, cada vez mais, a busca por soluções de maior conteúdo tecnológico. Além disso, esse mercado crescente em volume e qualidade tem atraído cada vez mais competidores ao Brasil, que se consolida, aos poucos, num dos polos da competitividade global, exigindo atenção crescente para o tema da inovação como elemento diferenciador na competitividade.
Somente um esforço concentrado e voltado para expandir a participação das empresas brasileiras nos mercados nacional e internacional e para estimular a oferta de produtos inovadores de custo competitivo poderá elevar significativamente a taxa de inovação, os investimentos privados em PD&I no Brasil e a geração de mais renda no país.
CONVIVENDO COM O RISCO DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
Inovação é conceituada, frequentemente, a partir de seus resultados (OCDE, 2005). O que dá sentido à inovação são os impactos e as consequências que produz na sociedade. Sem a verificação desses resultados, financeiros ou não, a inovação seria inócua e ficaria desprovida de qualquer significado. Assim, não há inovação sem ousadia, não há inovação sem riscos. Em função disso e da necessidade de otimizar a alocação dos recursos gastos e a minimização dos riscos pelas empresas nas atividades de PD&I (pesquisa, desenvolvimento e inovação), nota-se uma crescente e justificada preocupação com a estruturação de programas de gestão consistentes e efetivos. Sobretudo na área de PD&I, os resultados esperados (e prometidos) devem ser sempre considerados a partir de uma perspectiva de risco e probabilidade de sucesso. O risco deve ser gerenciado. Para tanto, há que se considerar o ambiente competitivo enfrentado pelas empresas, que as obriga a fazer escolhas difíceis e pouco lineares.
Ora, já é da natureza das empresas conviver com riscos, sobretudo comerciais, no ambiente de negócios. Assim, as empresas confirmam-se como atores determinantes da inovação. No entanto, para buscar uma inovação mais ousada, de ruptura talvez, será necessário conviver com incertezas crescentes de tecnologias na fronteira do conhecimento. Isso exige uma mudança cultural importante nas empresas e na sociedade. Mais ainda, tamanha mudança parece mais fácil em momentos de otimismo econômico que tendem a aumentar a tolerância ao risco das empresas. Estamos, no Brasil, justamente nesse momento em que, conforme destacado pela Pintec 2008 (IBGE, 2010), o PIB do país cresceu 4% em 2006 e 6,1% em 2007. Por sua vez, o consumo das famílias brasileiras aumentou, nos mesmos anos, respectivamente, 5,3% e 6,3%, e a formação bruta de capital fixo apresentou elevação de 9,8% e 13,9%, respectivamente. Já em 2008, mesmo com a crise econômica internacional no último trimestre do ano, o PIB do país cresceu 5,1% e houve um aumento em quase todos os indicadores macroeconômicos. Para 2010, os valores estão sendo apurados, mas pode-se prever crescimento do PIB de cerca de 7%.
Coerentemente com essa evolução dos indicadores macroeconômicos, o investimento em PD&I vem aumentando no Brasil, tendo passado de 0,96% do PIB em 2001 para 1,02% do PIB em 2006 (OCDE, 2008) e atingindo 1,13% em 2008. Desse total, as empresas participam com pouco menos de 50%, participação percentual praticamente estável no período considerado (CGIN, 2010). Ou seja, mesmo considerando-se circunstâncias relativamente adversas a investimentos em PD&I com a elevada taxa de juros, por exemplo, nota-se que as empresas aumentaram seu investimento em PD&I além do crescimento do PIB brasileiro no período. A própria dinâmica da competitividade impõe essa evolução.
Mas vejamos esses números com mais detalhes. Uma primeira leitura dos resultados da Pintec 2008 (IBGE, 2010), ou seja, Pesquisa de Inovação Tecnológica realizada pelo IBGE referente ao período 2006-2008 e publicada em 2010, nos induz a considerar que esse círculo virtuoso da economia está sendo desdobrado numa dinâmica de inovações, uma vez que, no período considerado, de um total de 100.496 empresas industriais, 38,1% declararam que implementaram, nesse período, um produto ou processo novo ou aprimorado contra 33,4% no período de 2003-2005. No entanto, quando analisamos o tipo de inovação percebemos que somente 1.567 ou 4,1% das 38.229 empresas inovadoras lançaram um produto novo ou aprimorado para o mercado e somente 2,3%, um processo novo. Nessa imersão, observamos que a aquisição de máquinas e equipamentos aparece como a "atividade inovativa" mais importante da indústria representando 78,1% do esforço de inovação contra pouco mais do que 4% do investimento em P&D. Esse movimento de importar conhecimento e tecnologia embarcada em equipamentos, se persistente a médio ou longo prazo, terá consequências negativas para as aspirações de um Brasil competitivo tecnologicamente, o que fica mais claro quando observamos que o número de empresas que realizaram atividades internas de P&D caiu de 6,5% em 2005 para 4,4 % em 2008, ficando concentrada em 4.754 empresas, que, juntas, atingiram investimentos da ordem de R$ 15 bilhões nessa atividade.
A BASE CIENTÍFICA ESTABELECIDA E A ATRATIVIDADE DO BRASIL
O Brasil consolida-se, cada vez mais, como ator importante na geração de ciência no contexto internacional. À produção científica do Brasil, deve-se aliar, agora, a capacidade inovadora, colocando definitivamente o país num lugar relevante no mapa da inovação mundial. Para isso, devemos insistir no desenvolvimento da atratividade do Brasil a investimentos em PD&I.
De fato, o país vem sendo escolhido como destino de importantes investimentos em P&D por empresas multinacionais inovadoras. Essas empresas encontram aqui uma academia forte e estruturada além de políticas públicas adequadas e em contínuo aprimoramento. Mas, talvez, o motivo mais importante da decisão seja a existência de um mercado consumidor em expansão com empresas inovadoras suportando cadeias produtivas competitivas e dinâmicas. Daí decorre a importância da valorização do conhecimento acadêmico produzido no Brasil nas suas empresas e, em última instância, na sociedade. O desenvolvimento da inovação nas empresas é a única forma sustentável de seguir fazendo P&D de qualidade no Brasil com resultados efetivos e com a consolidação de uma forte cultura de inovação na sociedade. Mais ainda, é a única forma de garantir que o benefício gerado pelo conhecimento científico retorne sistematicamente para a sociedade direta ou indiretamente.
As empresas precisam de leis e normas adequadas que possibilitem mecanismos de gestão modernos, ágeis e eficazes e do bom funcionamento de organizações públicas de fomento, pesquisa e desenvolvimento articuladas entre si e sensíveis às demandas da sociedade. Empresas inovadoras que realizem esforço consistente de P&D e que mantenham mecanismos permanentes de prospecção, acompanhamento e avaliação de oportunidades poderão contribuir para a captura de ganhos com inovação de forma maximizada assegurando, assim, a continuidade e o fortalecimento do esforço nacional no campo da ciência e da tecnologia. A criação dos fundos setoriais determinou a evolução do setor público de P&D. No entanto, foi sua regulamentação e a legislação recente da inovação, ou seja, Lei do Bem e Lei da Inovação (CGEE/Anpei, 2008), que permitiram a inclusão do setor privado na construção dos caminhos da ciência, tecnologia e da inovação no Brasil, com destaque para a criação dos mecanismos de subvenção econômica.
Desse grupo recente de instrumentos de apoio financeiro à inovação, a Pintec 2008 (IBGE, 2010) aponta que o principal instrumento utilizado pela indústria foi o financiamento para compras de máquinas e equipamentos (14,2%). Já, quando analisamos os instrumentos ligados diretamente ao esforço de desenvolvimento tecnológico (P&D), observamos o modesto resultado de 0,5% de uso dos instrumentos de subvenção econômica para projetos de P&D e contratação de pesquisadores, apenas 0,8% de financiamento a projetos de inovação em parceria com universidades e centros de pesquisa e 1,1% de uso do benefício fiscal à inovação.
Essa baixa adesão das empresas aos principais instrumentos de apoio às atividades de P&D pode ser explicada, entre outras razões, pela restrição ao uso dos benefícios fiscais às empresas de lucro real (o que exclui mais de 92% do total de empresas que declaram IR pelo regime de lucro presumido, inclusive e na grande maioria, as micro e pequenas empresas de base tecnológica), à dinâmica de editais para a subvenção econômica e à ainda recente formação dos núcleos de inovação tecnológicos das universidades brasileiras à época da pesquisa Pintec.
De fato, conduzir a estratégia de crescimento e inovação das empresas a partir do desenvolvimento de P&D interno torna-se uma missão difícil quando verificamos que somente 9% das empresas pesquisadas pela Pintec 2008 (IBGE, 2010) consideram o departamento de P&D como fonte de informações para a realização de inovações. Essa dificuldade é intensificada pelos obstáculos do ambiente brasileiro, com destaque para os custos elevados da inovação (73,2% das empresas da Pintec 2008 indicaram essa restrição à inovação), os excessivos riscos econômicos (65,9%) e a falta de pessoal qualificado (57,8%).
Nesse ambiente, a entrada de medidas concretas de incentivo ao desenvolvimento de tecnologias e produtos brasileiros de elevado conteúdo tecnológico através do poder de compra governamental (Lei 12.349, art. 1º, de 15/12/2010) e da adoção de incentivos ao desenvolvimento tecnológico das cadeias produtivas nacionais torna-se relevante e deve estar necessariamente conectada à estruturação da política industrial do país.
Seguindo a mesma linha de evolução, temos que garantir esforços continuados no desenvolvimento das pessoas, na inclusão social e na sensibilização da sociedade para os ganhos com tecnologias mais eficientes e mais sustentáveis. E isso é alcançado com empresas inovadoras capazes de inovar e transformar o conhecimento em produtos competitivos no mercado.
A COMPETITIVIDADE E A PROPRIEDADE INTELECTUAL
Nada mais pragmático para mensurar o sucesso do esforço no adensamento tecnológico da economia de um país do que a análise do perfil de produtos e serviços que são oferecidos. Nesse sentido, vale destacar alguns números relevantes: 38% do produto interno bruto dos Estados Unidos em 2007 era baseado em indústrias intensivas em tecnologia e conhecimento (KTI). A China, no mesmo período, atingiu o patamar de 23% de seu PIB com KTIs mostrando uma evolução marcante na última década (Science and Engineering indicators 2010). Esse movimento pode ser observado nas figuras 1 e 2.
Nesse contexto, um dado que chama a atenção é o teor da carteira de exportação do Brasil. Por exemplo, em 2010, somente 4,6% das exportações eram de alta intensidade tecnológica denunciando uma tendência de queda desse indicador conforme pode ser visto na Figura 3.
Sabemos que há forte relação entre a intensidade tecnológica de produtos e processos e os sistemas de proteção da propriedade intelectual. Nesse sentido, nossa fragilidade pode ser entendida a partir do indicador de depósitos de patentes brasileiras no mercado europeu (EPO). Com base em OCDE 2008, enquanto o Brasil depositou 238 patentes, temos a China com 2.304, a Índia com 606, a Rússia com 267, Israel com 1.241 e a Coreia com 4.185 depósitos. Outro aspecto do problema passa pelo amadurecimento do sistema nacional de propriedade intelectual, incluindo uma ampla difusão de seu impacto na competitividade brasileira. A agilidade, o aprofundamento técnico do órgão nacional de gestão da propriedade intelectual e sua integração com as entidades de PI dos mercados globais estratégicos de interesse da indústria brasileira tornam-se elos fundamentais dessa dinâmica.
O desafio na área de patentes começa com o prazo de concessão de patentes no Brasil (INPI 2010) enquanto o prazo médio de concessão de patentes na Coreia, no Estados Unidos e na Europa oscila entre 3 e 4,5 anos chegando a 6 anos no caso do Japão, a média brasileira de concessão é superior a 8 anos (Tabela 1), mais de 40% do prazo de proteção das patentes que é de 20 anos. Isso gera uma situação de insegurança nas transações de tecnologia envolvendo patentes uma vez que durante o prazo para definição da situação patentária não há garantias reais para tecnologia em discussão.
Deve-se ressaltar que um sistema pujante e dinâmico de concessão de patentes, plenamente integrado ao sistema global de gestão da propriedade intelectual, é um requisito básico para, juntamente com a competência científica e tecnológica local e com as oportunidades de mercado, atrair centros globais de P&D de empresas, fomentar fundos de seed capital, estimular o investimento privado em P&D e integrar o país na lógica das indústrias e dos clusters competitivos em tecnologia e conhecimento intensivo.
APROVEITANDO O MOMENTO NA DINÂMICA DOS CICLOS ECONÔMICOS
Partindo-se da análise schumpeteriana dos ciclos econômicos atrelados a mudanças tecnológicas, podemos dizer que o progresso tecnológico não é um fluxo contínuo, mas que se desdobra de forma periódica e irregular (Schumpeter, 1978). Nessa perspectiva, o motor da inovação não é necessariamente a concorrência reativa, mas sim a possibilidade de realização temporária de uma situação de monopólio com lucros que remunerem os riscos incorridos. Mas o mercado deve permanecer concorrencial de modo a permitir a difusão da inovação bem como o aparecimento das inovações subsequentes.
Desse movimento resultam ciclos da inovação, a exemplo dos conhecidos ciclos econômicos. Nesses ciclos, a inovação aparece, em determinados momentos, como tábua de salvação. No entanto, grandes expectativas podem levar a um sentimento de frustração com a desmobilização de equipes e recursos. Assim, momentos de otimismo com a potencial contribuição das atividades de inovação podem ser seguidos por momentos de questionamento. Por isso, a gestão dos processos é fundamental uma vez que permite lidar adequadamente com os diferentes riscos e apresentar as expectativas de forma clara e objetiva.
Os momentos mais favoráveis do ciclo devem ser aproveitados para garantir uma evolução das estruturas de inovação que possa, de certa forma, blindar a área nos intervalos de menor crescimento que possivelmente virão. Nesse sentido, o Estado tem a responsabilidade de, juntamente com a sociedade, garantir a competitividade de sua indústria no longo prazo permitindo-lhe tratar, de modo adequado, os principais desafios estratégicos do país em qualquer contexto. Devem ser consideradas políticas públicas com perspectivas claras mas, ao mesmo tempo, flexíveis, que permitam, inclusive, a condução de estudos na fronteira do conhecimento sujeitos a maiores risco e incertezas.
REFLEXÃO SOBRE A GOVERNANÇA DO SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO
A discussão sobre a interação universidade-empresa fixa-se, algumas vezes, em aspectos essencialmente superados e que não representam mais barreira importante para o trabalho conjunto, direto e objetivo entre ICTs (instituições de ciência e tecnologia) e empresas. Os interesses, os focos e os ritmos, seguramente, são diferentes, mas já estamos aprendendo a conviver com as diferenças. E, mais ainda, estamos aprendendo a explorar as vantagens e complementaridades dessas diferenças. De fato, persistem, ainda, algumas questões relativas à divisão da propriedade intelectual que consomem tempo e recursos importantes mas que, bem ou mal, sempre chegam a algum desfecho positivo quando ambas as partes estão interessadas em cooperar efetivamente. É inegável, hoje, que empresa e universidade se conhecem mutuamente e o exercício da negociação entre ambas torna-se, cada vez mais, prática corrente.
O processo de transferência de tecnologia das universidades para as empresas deve ser visualizado de forma mais abrangente e sob a perspectiva de dois mecanismos: 1) as agências de transferência tecnológica (NITs) e 2) as incubadoras tecnológicas (sistema de start ups).
A despeito do aprendizado das empresas e das universidades no sentido de viabilizar a interação entre as instituições, novos passos são necessários para dinamizar, profissionalizar e gerar escala nesse processo. Devemos intensificar a busca por mecanismos, inclusive jurídicos e contratuais, que promovam e facilitem a transferência de conhecimento da academia para as empresas. É evidente que essa transferência deve ser reconhecida e devidamente remunerada, mas o mais importante é que essa prática seja estimulada e que seja efetivamente incorporada na cultura das empresas e das ICTs.
Há exemplos interessantes dessa dinâmica em países como Israel, Estados Unidos e boa parte dos países europeus por exemplo. Nesses países, as universidades são estimuladas e até mesmo induzidas pelo Estado a interagir com as empresas atendendo aos desafios impostos pelas suas respectivas políticas industriais e disponibilizando tempo e dedicação de seus pesquisadores para apoio ao esforço de inovação.
No caso brasileiro, a Pintec 2008 (IBGE, 2010) indica que as principais parcerias da indústria na busca por inovação cooperada são os fornecedores, de um lado (65,3%), e os clientes e consumidores, de outro (45,3%). Assim, nota-se que a interação ICT-empresa tem, ainda, muitas oportunidades a serem exploradas e bastante campo para progredir.
A última Pintec demonstra, também, forte concentração das empresas inovadoras nas grandes corporações. Quase três quartos das empresas com mais de 500 empregados são inovadoras, de acordo com a Pintec 2008. No entanto, esse percentual não chega a 40% quando se considera o total de empresas no Brasil. É necessário difundir essa dinâmica e dar mais capilaridade à inovação em todas as empresas, especialmente aproveitando a lógica das cadeias produtivas já existentes no Brasil. Com isso, não apenas as empresas individualmente ganharão competitividade como também os ganhos de competitividade tenderão a se multiplicar ao longo das próprias cadeias garantindo a sustentabilidade desse efeito a longo prazo e num patamar mais interessante.
A realidade das empresas nascentes de base tecnológica (startups) pode ajudar a entender o ambiente brasileiro de inovação por sua importância na dinâmica do processo. De fato, essas empresas podem mudar rapidamente a situação de P&D nas empresas brasileiras e da inovação no país. Destacamos, nesse ponto, dois aspectos que parecem particularmente relevantes. Em primeiro lugar, o modelo de instalação das incubadoras no Brasil ainda apresenta certa desconexão com as cadeias produtivas locais em alguns casos. O critério de seleção para investir na instalação de incubadoras privilegia a existência da universidade e, muitas vezes, fica mais distante da agenda da indústria local. Além disso, o outro ponto que merece atenção é que o sistema de seed capital privado no Brasil assume um papel periférico no financiamento das empresas start ups. É necessário que o sistema de propriedade intelectual amadureça e que o Brasil se insira no radar dos fundos internacionais de seed capital como forma de profissionalizar e potencializar as oportunidades das tecnologias e produtos desenvolvidos no Brasil.
Assim, analisando o nosso SNI (Sistema Nacional de Inovação), nota-se que há espaço para intensificar a sinergia entre o ambiente acadêmico e empresarial para que trabalhem de forma mais complementar e coordenada. No Brasil, ainda não há total coerência estratégica entre o investimento público e o privado em PD&I. Com isso, os investimentos não se somam e, às vezes, até competem. No Brasil, as empresas pouco se beneficiam dos investimentos feitos pelo governo em ICTs, quer direta quer indiretamente. As prioridades não são, ainda, suficientemente discutidas e compartilhadas, o que leva a um certo descompasso entre esses investimentos. Assim, o investimento público na academia beneficia essencialmente a própria academia uma vez que é feito com esse foco. Isso é bom mas não é suficiente para que o país experimente avanços mais significativos na inovação, particularmente quando se considera a participação e o protagonismo das empresas nesse processo. Por outro lado, nota-se que nos países da OCDE o esforço tende a ser mais coordenado e o investimento do setor público efetivamente desdobra-se e alavanca investimentos em PD&I no setor privado. Em que pesem os bons programas das agências de fomento brasileiras, falta, ainda, mais discussão e alinhamento com as estratégias e visão das empresas. Com isso, os editais atendem o setor produtivo apenas em parte. Os processos de tomada de decisão e a governança do SNI permanecem os mesmos. É necessário que a sociedade discuta mais e com maior profundidade os temas, projetos e programas que serão prioritariamente apoiados. O alinhamento estratégico dos investimentos em PD&I entre os setores público e privado, entre academia e setor produtivo, construído democraticamente, como no caso da França, ou mesmo quando imposto por um Estado forte, como no caso chinês, resulta em sinergias claras com investimentos que se somam nos seus resultados. Cada sociedade encontra seus próprios caminhos para construir as convergências que necessita.
Historicamente, a pesquisa acadêmica tem sido o principal foco de atenção das políticas e dos recursos do SNI no Brasil. No entanto, fica cada vez mais claro que o conhecimento gerado nas universidades ainda é pouco utilizado pela sociedade de modo geral, e pelas empresas, em particular, de forma natural e automática. O reconhecimento, por parte de todos os atores envolvidos, de que as inovações ocorrem efetivamente nas empresas, deveria alterar a agenda de governança, de desenvolvimento tecnológico e de alocação dos investimentos no SNI. Como desdobramento, deve haver uma maior participação das empresas nos processos decisórios das políticas públicas com impacto no processo de inovação no Brasil, desde a definição das prioridades estratégicas e a composição dos comitês gestores até os procedimentos de avaliação de projetos a partir de critérios que não sejam apenas acadêmicos, como publicações e titulação das equipes, mas que incluam, também, elementos como planos de negócio, adensamento tecnológico da indústria brasileira e oportunidades de desenvolvimento de novos mercados. O fortalecimento da empresa como ator relevante no SNI implica uma revisão ampla da governança do sistema e da vocação de suas agências financiadoras. Nesse contexto, reforçamos o papel da política industrial como um elemento chave de planejamento no país e de união e alinhamento entre os diferentes atores do SNI. Somente com uma agenda focada no mercado e nos grandes desafios tecnológicos da indústria nacional é que asseguraremos o desenvolvimento econômico e social brasileiro.
Quando consideramos que a retomada do planejamento econômico de longo prazo do Brasil é algo relativamente recente e que os laços de confiança entre os diferentes entes do SNI (ICTs, empresa e governo) estão em pleno ciclo de amadurecimento no Brasil, podemos esperar que a tendência apontada pela Pintec 2008 (IBGE, 2010) de redução das atividades internas de P&D nas empresas (de 5,6% em 2005 para 4,2% em 2008) seja perfeitamente reversível nos próximos anos. Para isso, temos que garantir o foco na inovação e na competitividade como um desafio a ser medido pelo conteúdo tecnológico dos produtos comercializados e exportados pelas empresas brasileiras.
O momento econômico e político, com o início de um novo governo, é oportuno para uma discussão profunda da governança do SNI. Assim, poderemos garantir eficiência social e foco do trabalho acadêmico em alinhamento com os investimentos realizados pelas empresas em PD&I. Dessa forma, os esforços públicos e privados serão realmente complementares e terão efeito sinérgico.
COMENTÁRIOS FINAIS
As iniciativas discutidas anteriormente são, no nosso entendimento, necessárias para contribuir com a inovação na sociedade brasileira. De fato, investimentos em educação, a coerência e a complementaridade entre investimento público e privado em P&D e a reflexão sobre a governança do SNI com maior participação das empresas são elementos importantes e que devem ser considerados no debate. No entanto, essas iniciativas podem não ser suficientes para garantir o dinamismo que a sociedade está buscando nessa área e para acelerar o processo de aumento de competitividade do setor empresarial brasileiro, requerido na atual fase de grandes mudanças na evolução da humanidade, em que os ciclos de vida das inovações se tornam cada vez mais curtos e os produtos resultantes são cada vez mais rapidamente disseminados no mercado global.
Não seria possível finalizar esse texto sem mencionar que o tema deve ser considerado também sob uma perspectiva macroeconômica que pode ser determinante nesse caso. O Brasil não apresenta, ainda, as condições ideais para investimentos importantes em atividades de risco intrínseco como inovação. Temos que reconhecer nossas limitações em função das altas taxas de juros, do câmbio valorizado e da elevada carga tributárias entre outros condicionantes. Prova disso é a preocupante perda de competitividade e queda contínua da participação de produtos de médio e alto valor agregado das exportações ao mesmo tempo em que a importância desses mesmos produtos cresce, de forma perigosa, nas importações brasileiras. Para emprestar energia e agilidade à inovação, será necessário pensar em medidas de estímulo que ajam em cada um desses aspectos elencados anteriormente. A inovação deve ser incentivada claramente, sem subterfúgios. O apoio à inovação, necessariamente no âmbito das empresas, sem detrimento dos demais parceiros como universidades e institutos de pesquisas públicos e privados, deve ser incorporado pela sociedade brasileira. Os benefícios desse processo serão revertidos para a própria sociedade na forma de melhores condições de vida, melhores empregos e mais desenvolvimento econômico.
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2 Obs.: para U.S (Estados Unidos), EU (União Europeia, exceto Chipre, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta e Eslovênia), Japão, Ásia-9 (Índia, Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia e Vietnã) e China. Dados 1995 a 2007.