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Revista USP

Print version ISSN 0103-9989

Rev. USP  no.89 São Paulo Mar./May 2011

 

O papel dos institutos públicos de pesquisa na aceleração do processo de inovação empresarial no Brasil

 

 

João Fernando Gomes de OliveiraI; Luciana Oliveira TellesII

IDiretor-presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)
IIAssistente da Diretoria de Inovação do IPT

 

 


RESUMO

O artigo apresenta um breve diagnóstico da inovação nas empresas brasileiras, aspectos do marco regulatório e os programas de fomento à inovação. Com base nesse panorama, propõe-se que os institutos públicos de pesquisa tecnológica atuem como articuladores de projetos envolvendo universidades e empresas, em fases do processo de inovação que são atualmente carentes de investimento, como as fases de escalonamento e provas de conceito. A seção "Casos do IPT" apresenta as recentes mudanças no IPT para operar no modelo proposto e dois projetos-piloto. As principais conclusões são que o Brasil necessita de modelos de articulação para melhor aproveitar o aparato de fomento já existente e para solucionar grandes problemas tecnológicos nacionais, e que é preciso que os institutos se capacitem para atuar nesse processo.

Palavras-chave: inovação, universidade/empresa, IPT.


ABSTRACT

This article presents a brief diagnosis on innovation of Brazilian companies, aspects of the regulatory mark, and programs for furthering innovation. Based on that panorama, it advances that the public institutions of technological research should act as articulators of projects involving universities and companies in phases of innovation processes that now lack investment, as it is the case with scaling phases and proofs of concept. Section "Casos do IPT" presents the recent changes in IPT [Institute for Technological Research] so as to work on the proposed model, and two pilot projects. The main conclusions are that Brazil needs models of articulation to take better advantage of the existing support structure and to solve the big national technological problems; and that the institutes need to qualify to be agents in this process.

Keywords: innovation, university/company, IPT.


 

 

INTRODUÇÃO

Segundo dados da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec) 2008, as empresas no Brasil ainda investem pouco em atividades inovadoras. Apesar de muitas iniciativas para fomentar a inovação, há uma grande dificuldade em se obter indicadores que demonstrem o desenvolvimento inovador nas empresas brasileiras.

A formação do nosso sistema industrial ocorreu de forma que, principalmente a partir da década de 1950, houvesse uma concentração de multinacionais nos setores de bens de capital e de consumo duráveis. As empresas estatais ficavam à frente de setores de infraestrutura - como os de transporte e energia -, e as empresas nacionais privadas, grosso modo, permaneciam nos bens de consumo perecíveis e semiduráveis. A atuação das multinacionais no Brasil era focada na produção para atender mercados específicos, enquanto investimentos em P&D eram realizados em seus países de origem. Esse fato certamente limitou o estímulo à inovação, já naquela época. O desenvolvimento industrial brasileiro estabelecia-se sem a cultura de P&D na empresa.

Outros fatores também podem compor uma explicação para os atuais baixos investimentos das empresas nacionais em P&D. Alguns são de caráter mais social, como a falta de cultura para inovação, conforme já explicado, ou a existência de uma aversão ao risco do empresário brasileiro. Outros são econômicos, como: conjunturas macroeconômicas desfavoráveis (elevadas taxas de juros ou períodos de baixo crescimento), altos encargos tributários (o que faz com que as finanças fiquem muito justas, sem folga para investir em P&D), elevados riscos associados ao investimento em P&D, mercado interno pouco qualificado associado a uma baixa inserção das empresas nacionais na economia global - exigindo pouco da competitividade.

Em paralelo a esse cenário, o país apresenta um robusto sistema público de C&T, o qual vem se fortalecendo nas últimas décadas. Os investimentos em C&T, considerando-se recursos públicos e privados, passaram de 1,3% do PIB, em 2000, para 1,72% em 2009, representando uma quantia de R$ 54,2 bilhões naquele último ano.

O número de pesquisadores e pessoal de apoio envolvido em P&D cresceu 72% entre 2000 e 2008, aumento direcionado principalmente para as instituições de ensino superior. Ocorreu também um aumento sistemático na formação de doutores. No entanto, enquanto o número de doutores nas empresas passou de 1.390, em 2000, para 2.447, em 2008, o número de doutores vinculados ao ensino superior passou de 26.351 para 64.230 no mesmo período (Gráfico 1).

 

 

O país alcançou a 13ª posição na produção mundial de artigos científicos, em um ranking de 183 países da base internacional Thomson Reuters-ISI. No período 2000-2008, o número de artigos publicados por pesquisadores e estudantes em periódicos de circulação internacional passou de 25.657 para 66.916. A participação do Brasil no total de publicações de países da América Latina, em periódicos científicos indexados pela Thomson-ISI, saltou de 34,27%, em 1981, para 54,42% em 2009. A participação do Brasil nas publicações mundiais passou de 0,43, em 1981, para 2,69, em 2009.

De um lado, empresas que inovam pouco, de outro, um sistema dinâmico e produtivo de C&T. Finalmente, outro ingrediente a ser acrescentado nesse cenário é a crescente preocupação com o tema da inovação, tanto do lado das políticas públicas, como por algumas lideranças empresariais.

Como consequência, nos últimos anos tem ocorrido um considerável aumento no número de programas visando o incentivo à pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I) nas empresas. Dentre os programas, pode-se citar, por exemplo, os ligados ao MCT, como o Sibratec, os editais de subvenção econômica da Finep e as bolsas de fomento tecnológico do CNPq - para a alocação de doutores nas empresas; os programas geridos pelo BNDES, como o Funtec, e os programas Pite e Pipe da Fapesp. No entanto, uma característica comum à maioria desses programas (o Pipe é a uma das exceções) é a exigência de que os projetos tenham a participação de uma ICT pública sem fins lucrativos.

Esse panorama - de pouca inovação nas empresas, sistema público de C&T fortalecido e crescente capacidade de financiamento público à inovação nas empresas vinculada a projetos com instituições públicas de pesquisa - cria a perspectiva de um modelo de inovação para o Brasil que explore o potencial de P&D&I pública de forma diferenciada. Por outro lado, surge também a necessidade de um sistema público de suporte à inovação altamente eficiente, com boa velocidade de resposta, e de mecanismos de adaptação da estrutura pública de P&D aos novos desafios da inovação.

As oportunidades decorrentes da maior disponibilidade de recursos públicos para a inovação se contrapõem às exigências legais dos tribunais de contas para a correta aplicação de leis de licitações, que atrasam intensamente os processos gerenciais e resultam, muitas vezes, em limitações na escolha de equipamentos, sistemas e soluções para as atividades de pesquisa. Observa-se, frequentemente, as empresas desistindo de recursos públicos por causa da baixa velocidade no julgamento de projetos e na execução das tarefas inerentes à inovação. Surge então um dilema para a empresa: arriscar a aplicação de recursos próprios para inovar ou ficar sujeita à demora decorrente das exigências intrínsecas dos recursos públicos.

Além desse dilema, há também a dificuldade de se encontrar atores dispostos a financiar ou desenvolver as fases intermediárias do processo de inovação, como provas de conceito, testes em escala piloto, escalonamento de processos de produção ou produção de protótipos funcionais para testes e certificação. Tais etapas são as mais dispendiosas e menos adequadas para serem realizadas por universidades ou institutos de pesquisa devido a diversas dificuldades, entre elas: incapacidade de contratação rápida de pessoal técnico para atividades básicas de teste e operação em escala piloto, demora em licitações ou, ainda, o pouco interesse dos setores acadêmicos para desenvolver tarefas que não resultem na produção de conhecimentos publicáveis em periódicos.

 

DIFICULDADES PARA PROMOVER A INOVAÇÃO A PARTIR DE CONHECIMENTOS ACADÊMICOS

A inovação pode ocorrer de muitas formas. Com pouco investimento e uma boa ideia de sistema na web é possível inovar e produzir um enorme movimento financeiro. O jovem de 26 anos Mark Zuckenberg não fez doutorado, nem parceria com nenhuma universidade e com apenas alguns milhares de dólares ficou milionário em poucos anos com a criação do Facebook. A inovação na pequena empresa também pode ocorrer sem a necessidade de vultuosos investimentos, principalmente quando se investe progressivamente em um novo conceito de produto com mercado em expansão.

Por outro lado, quando se busca inovação em processos ou produtos com grande demanda e de forma rápida, a necessidade de investimentos pode ser muito grande em algumas fases do processo. O uso de materiais compósitos em pás de turbinas de aviões, novos processos químicos ou bioquímicos, novos materiais para a indústria automobilística ou mesmo o desenvolvimento de veículos elétricos são exemplos de inovações altamente demandantes de investimentos em testes e escalamento de processos robustos.

Suh (2009) propõe onze passos que podem ocorrer em um processo de inovação. São eles:

A. Identificar a necessidade de um novo produto, processo, serviço ou sistema.

B. Realizar as pesquisas necessárias.

C. Criar, testar, selecionar e revisar ideias ("via funneling").

D. Demonstrar a aplicabilidade da ideia.

E. Testar a viabilidade comercial da ideia.

F. Encontrar um "Angel Investor" para investir nas fases D e E.

G. Encontrar capital de risco ou grandes empresas para desenvolver a ideia.

H. Criar ou encontrar uma empresa de capital de risco para produzir e vender o produto.

I. Contratar pessoas talentosas para todas as atividades corporativas.

J. Buscar capital via oferta pública.

K. Vender a empresa de capital de risco.

Numa perspectiva de sistema de inovação com o estímulo à participação de ICTs, como se configura no Brasil, os passos B e C podem ser desenvolvidos por universidades ou outros tipos de ICT, sendo o passo A uma atividade das empresas, mas que também pode vir das universidades e institutos de pesquisa. Os passos de G a K podem ser realizados por empresas, sejam elas de capital de risco ou não. Basta que haja dados sobre a viabilidade comercial obtida nas fases D, E e F.

Entretanto, existe um espaço a ser preenchido entre os resultados das pesquisas - geralmente produzidos nas universidades públicas - e as demandas das empresas. As atividades nas fases D e E são muito dispendiosas, envolvem tarefas essencialmente técnicas e o conhecimento produzido não é normalmente publicável. Assim, hoje não há atores capacitados a realizá-las e há dificuldade de se obter recursos para o seu financiamento. Fica então o entendimento por parte da sociedade de que: muito do que se cria e pesquisa não se transforma em inovação para o mercado e para os cidadãos em razão das deficiências de ligação entre academia e setor empresarial.

Para preencher esse espaço, foram criadas agências de inovação nas universidades, incubadoras e parques tecnológicos, entre outras ações. Tais iniciativas, no entanto, não esgotam o potencial dos empreendimentos capazes de aproximar universidades e empresas para consolidar inovações. Há pesquisas de grande impacto que podem gerar novos benefícios à sociedade. São projetos que demandam mais que transferência tecnológica, exigindo articulação entre empresas, instituições de pesquisa e governo.

O hiato está na prova das novas tecnologias para torná-las viáveis em escala industrial, são as plantas pilotos e as etapas de escalonamento, como se diz nas indústrias química e farmacêutica. Esse é o elo da cadeia de inovação de maior risco, em que o Brasil precisa se fortalecer. Hoje não há quem queira ser o primeiro a desempenhar esse papel, ou seja capaz de financiar individualmente os altos investimentos necessários.

 

CARACTERÍSTICAS DOS ATUAIS PROGRAMAS DE FOMENTO À INOVAÇÃO

Ao se acrescentar o tema da inovação na pauta da ciência e tecnologia, surgiu a necessidade de se pensar novos arranjos institucionais e programas que fossem adequados ao seu fomento. Assim, desde o final dos anos 1990, o Brasil passou por amplas reformas no seu marco regulatório, de modo a possibilitar o surgimento de novos programas de apoio à inovação, visando, principalmente, acelerar o desenvolvimento tecnológico nas empresas e criar um ambiente institucional mais favorável à cooperação com instituições públicas de ciência e tecnologia.

Tais programas buscavam, essencialmente, aproximar as universidades e outras ICTs das empresas, mas sem tratar adequadamente do apoio às principais lacunas da inovação, como as fases D, E e F descritas na seção anterior. Alguns deles abordam o tema, mas com disponibilidade de recursos pouco compatível com os custos dessas etapas.

Pode-se destacar como elementos principais da nova legislação: a criação dos fundos setoriais; a "Lei do Bem", que concede incentivos fiscais para a promoção da inovação e exportação (Lei nº 11.196/2005); e a "Lei de Inovação" (Lei nº 10.973/2004). Quanto à Lei de Inovação (nº 10.973/2004), cabe destacar seus esforços para: criar condições para promover as parcerias entre universidades, instituições de pesquisa e empresas; aumentar a flexibilidade de atuação das instituições científicas e tecnológicas (ICTs); estabelecer condições de trabalho mais flexíveis para os pesquisadores de ICTs públicas; e possibilitar o investimento direto de recursos financeiros da união e das agências de fomento nas empresas, para apoiar atividades de P&D.

Apesar da existência de novas leis, ainda há grande dificuldade para as ICTs públicas usarem seus benefícios, principalmente porque há conflitos entre o aumento de flexibilidade por elas proporcionado e a rigidez da lei de licitação, quando se trata da relação público-privada.

À medida que o novo marco regulatório foi instituído, novos programas foram sendo criados pelas agências de fomento. Estes diferem, por exemplo, quanto ao foco para a formação de recursos humanos, o estímulo para a produção de conhecimento científico e tecnológico e o incentivo à inovação nas empresas. Eles também se distinguem quanto à participação da comunidade científica, a diversidade dos temas apoiados, o grau de duplicidade de esforços gerados, o tipo das inovações produzidas - se radicais ou incrementais -, entre outros.

A Figura 1 apresenta a organização dos principais atores do sistema brasileiro de ciência, tecnologia e inovação. Nela é apresentada a articulação entre os diversos agentes de P&D em diferentes contextos (embaixo, mais livres e acadêmicos e, acima e à direita, mais estruturados e voltados para a inovação). O Quadro 1 apresenta alguns dos principais programas de financiamento à inovação existentes no país, buscando caracterizá-los segundo diferentes fatores.

 

 

O Edital Universal do CNPq - direcionado para a formação de recursos humanos e fomento à pesquisa científica e tecnológica - é um exemplo de programa com larga abrangência na comunidade científica e pluralidade de temas financiáveis. No entanto, sua capacidade de financiamento é limitada a R$ 150 mil por projeto. Assumindo que os processos de inovação são multidisciplinares e exigem a articulação entre instituições, não é de esperar que um edital universal seja capaz de produzir resultados para a inovação nas empresas.

Outros programas buscam o fortalecimento da estrutura de C&T, como os que criam os INCTs (institutos nacionais de ciência e tecnologia) ou formam as redes nacionais de caráter inter-regional e interdisciplinar. Neles é possível aumentar a eficiência do sistema reduzindo duplicidade de projetos e ampliando a cooperação. Entretanto, os recursos alocados frequentemente não são suficientes para as tarefas de scale-up ou prova de conceito, gargalos da inovação.

Há ainda iniciativas que visam melhorar as conexões entre oferta e demanda tecnológicas, como o Sibratec, que aproximam as redes de pesquisa das empresas. O Sibratec organiza as ICTs para oferecerem suporte à inovação nas empresas, por meio de serviços tecnológicos como tecnologias industriais básicas (TIBs), atividades de P&D&I (no programa Centros de Inovação) e extensão para a pequena e média empresa. Tal programa busca um melhor casamento entre as demandas da inovação e as ofertas das ICTs. Seu sucesso, entretanto, dependerá da capacidade das ICTs de desenvolver as tarefas necessárias ao processo de inovação.

Já os programas direcionados para incentivar a inovação nas empresas, como as chamadas para subvenção econômica da Finep e o Pipe da Fapesp, têm como características o fato de poderem atingir uma diversidade de empresas inovadoras, com variedade de áreas apoiáveis. Por outro lado, os recursos são distribuídos em projetos de porte pequeno (Pipe) ou intermediário (Finep/subvenção). O resultado desses programas tem sido significativo, mas atinge principalmente as pequenas e médias empresas em projetos pouco demandantes de investimentos. O Pite da Fapesp propõe uma boa articulação entre empresa e academia, mas a academia continua com a dificuldade de realizar as tarefas gargalo da inovação.

A partir da Lei da Inovação tem-se também a possibilidade da "encomenda tecnológica" como modalidade de financiamento, por meio da qual a administração pública pode contratar empresas, consórcio de empresas ou entidades nacionais de direito privado, sem fins lucrativos, visando à realização de P&D para a solução de problemas técnicos específicos ou obtenção de produto ou processo inovador. Essa modalidade tem como características a necessidade de uma articulação prévia das competências e da definição dos atores de P&D e empresas beneficiadas. Seu principal benefício é tornar possível o investimento em projetos de grande porte em áreas estratégicas, com potencial de grande impacto para a inovação tecnológica.

A variedade de programas de financiamento mostra que o Brasil possui uma estrutura capaz de dar suporte à inovação. Entretanto, ainda faltam modelos aprimorados de empreendimentos que sejam capazes de potencializar a utilização das diversas fontes de financiamento, de forma agregada e de modo a alavancar projetos de grande porte, que incluam as fases de scale-up e prova de conceito, resultando em elevado potencial de inovação.

 

PROPOSTA DE UM MODELO DE ATUAÇÃO DOS INSTITUTOS PÚBLICOS DE PESQUISA TECNOLÓGICA

É evidente que universidades e empresas são domínios distintos e distantes. Enquanto na universidade o trabalho é colaborativo e publicável, na empresa é competitivo e secreto. Enquanto os resultados são de longo prazo, no primeiro caso, na empresa precisam ser rápidos. As capacitações acumuladas ao longo dos anos são diferentes nesses dois mundos.

São os institutos tecnológicos que, por já fornecerem serviços para a indústria e desenvolverem projetos com a academia, têm um potencial aglutinador, podendo ser os catalisadores da inovação. A Figura 2 apresenta uma proposta de atuação dos institutos de pesquisa tecnológica e sua interface com empresas e universidades.

 

 

A parte superior da Figura 2 mostra as várias etapas do processo de inovação que ocorrem predominantemente dentro da empresa. Elas incluem desde as pesquisas básicas (no caso de alguns setores) até a gestão do ciclo de vida do produto, passando pelas etapas de testes piloto, desenvolvimento do produto, produção, entre outras. Mesmo que uma empresa possa realizar todas essas fases internamente, é mais provável que ela recorra a parceiros externos para completar várias delas. É muito difícil que uma empresa tenha os recursos suficientes para manter internamente todas as competências necessárias para realizar todas as etapas com sucesso.

Entre os potenciais parceiros externos das empresas para a inovação estão as universidades e institutos de pesquisa. As universidades contribuem principalmente com a formação de recursos humanos e com a produção de pesquisas básicas e aplicadas, enquanto os institutos de pesquisa tecnológica têm oferecido, tradicionalmente, serviços diversos (ligados a metrologia, calibração, testes de produtos e processos, etc.) e pesquisas tecnológicas.

Em um sistema em que se vincula o financiamento de inovação para as empresas à participação das ICTs públicas, como no caso brasileiro, os institutos podem ser adequados para fomentar a produção de inovação, por meio do oferecimento de serviços como o escalonamento de tecnologias e as provas de conceito, além dos testes de produtos entre outros serviços (ver parte central da Figura 2). Eles também podem cooperar com as universidades nas pesquisas mais básicas e tirar proveito dos conhecimentos acumulados na academia para realizarem esforços de pesquisa tecnológica que tragam novas soluções para as empresas.

Além disso, para que o sistema proposto funcione bem, é preciso também que se formem agentes de inovação, pessoas que convivam nesses três ambientes (empresas, ICTs e universidades), com o objetivo de identificar demandas e oportunidades.

No caso específico dos institutos, para assumirem as funções de um conector entre universidades e empresas e atuar mais ativamente nas fases intermediárias do processo de inovação, eles precisam desenvolver capacitações específicas. Entre elas: capacitações gerenciais de forma geral; capacidade de gerir projetos que envolvam diferentes parceiros; habilidade de coordenar as diferentes expectativas dos parceiros; capacidade de comunicação; capacidade de organizar projetos que sejam atraentes aos clientes, com o oferecimento de serviços completos que possam envolver diferentes etapas como a solução de problemas de pesquisa aplicada e tecnológica.

Por ter experiência na prestação de serviços tecnológicos e nas fases intermediárias do processo de inovação, além de conviver nos mundos da academia e da indústria, os institutos podem se capacitar para articular iniciativas ou projetos cujos desafios - científicos, tecnológicos e financeiros - demandem a participação das empresas, de agências governamentais e de outras instituições de pesquisa.

Além de assumirem compromissos de pesquisa, relacionados a etapas específicas dos projetos, os institutos podem atuar como gestores de todo o processo. Eles seriam os articuladores da inovação, na forma de um broker de atividades, demandas e gestão. O fato de uma instituição pública assumir essa função pode viabilizar o financiamento de projetos de grande porte, tendo em vista os programas públicos de fomento abordados na seção anterior, possibilitando a alavancagem de recursos para a inovação. Ainda, eles podem trazer maior segurança para os potenciais parceiros, facilitando a negociação entre os atores privados. Por outro lado, a instituição tecnológica coordenadora precisa ser reconhecida por sua competência técnica na área dos projetos selecionados e ser altamente eficiente na sua administração.

Esse modelo parece adequado para a estruturação de pesquisas pré-competitivas, em que é mais fácil a associação entre empresas em um mesmo projeto, uma vez que os resultados das pesquisas ainda precisarão de investimentos posteriores para se tornar produto final.

O Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT assumiu esse modelo para articular grandes iniciativas. Para isso criou uma diretoria dedicada a construir esses projetos. O formato adotado teve como base os conceitos acima descritos e a experiência com o laboratório de estruturas leves em São José dos Campos (descrito abaixo). A duas experiências do IPT no modelo proposto são apresentadas na seção seguinte.

 

CASOS DO IPT

O IPT tem tomado várias iniciativas para aumentar sua contribuição na produção de inovação, o que inclui se capacitar para atuar como um conector entre universidades e empresas.

Entre as iniciativas mais importantes está a modernização da sua administração, de modo a se criar uma estrutura adequada para dar suporte aos novos programas. Nesse intuito foram criadas a Diretoria de Inovação e a Gerência de Gestão Estratégica (GGT). Entre as atribuições da nova diretoria estão a articulação e o gerenciamento de novos projetos; o relacionamento institucional (com universidades e entidades de fomento); a divulgação do modelo de atuação do instituto como um conector entre universidades e empresas; e a definição de temas relevantes de projetos a serem desenvolvidos no novo modelo.

Já a nova GGT tem a missão de atuar como um escritório de projetos (apoiando a elaboração de planos de negócios, a realização de contratos, a estruturação de novos negócios etc.), realizar a prospecção de novas tecnologias e ações ligadas à inteligência de mercado (como a gestão de contas-chave, a negociação de termos de propriedade intelectual etc.).

O IPT criou o programa de bolsas de iniciação tecnológica para fomentar trabalhos conjuntos com a universidade. As bolsas de iniciação tecnológica têm como objetivo a formação de estudantes de nível superior em atividades de P&D&I. As pesquisas são realizadas com a orientação de pesquisadores do IPT e da universidade. Em dois anos foram oferecidas 40 bolsas. A ideia é que a iniciativa sirva como uma experiência piloto para o lançamento de um programa de bolsas de mestrado e doutorado com as mesmas características.

No entanto, os maiores esforços têm sido para a estruturação dos projetos cooperativos envolvendo universidades, empresas e outros parceiros. Para começar a atuar no novo modelo, a diretoria do Instituto realizou uma série de apresentações e discussões com potenciais parceiros (empresas, agências de fomento e órgãos de governo) e no próprio instituto (com os pesquisadores e junto ao Conselho de Orientação e Conselho de Administração), além da divulgação na mídia.

Dois projetos foram estruturados no novo modelo, o Laboratório de Estruturas Leves (LEL), em São José dos Campos, e o Projeto de Gaseificação de Biomassa, em Piracicaba.

O LEL foi criado com o objetivo de pesquisar materiais compósitos para o desenvolvimento de estruturas leves com aplicação na indústria de aeronaves, atendendo também indústrias que demandam materiais de alto desempenho, como a naval, a automobilística e a de petróleo e gás. O valor do projeto é de R$ 90,5 milhões e participam dele: governo do estado de São Paulo, BNDES, Embraer, Fapesp, Finep, universidades FEI, ITA, USP, Unicamp e Unesp, o instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) e a Prefeitura Municipal de São José dos Campos.

Em Piracicaba, tem-se o desenvolvimento de uma planta piloto de gaseificação de biomassa, para a geração de um gás de síntese com alto potencial de geração de energia elétrica, produtos químicos, combustíveis líquidos e gasosos. Seu objetivo é desenvolver os conhecimentos tecnológicos para a construção de plantas em escalas industriais. O projeto é de R$ 80 milhões, financiado com recursos do BNDES/Funtec, Finep, governo do estado de São Paulo e empresas parceiras. Participam dele o IPT, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), a Esalq/USP e as empresas Cosan, Ideom, Oxiteno e Petrobras.

A organização dos projetos tem trazido vários desafios. Entre eles estão: a definição de fornecedores, a busca de parceiros privados, o levantamento de recursos financeiros, a definição de escopo dos projetos, o modo de participação da universidade, a transferência da tecnologia para as empresas e a gestão do sistema como um todo.

No caso do projeto de gaseificação, por exemplo, suas atividades estão organizadas, inicialmente, em quatro principais temas que demandam competências diversas, além da necessidade de desenvolvê-los de forma coordenada. São eles:

• A governança - compreende a definição das regras de interação entre os parceiros do projeto. Nesse tema estão as negociações para a definição do modelo de negócio (se por meio da criação de SPE, consórcio ou convênio entre os parceiros), os termos do contrato entre as partes, o regimento interno da planta piloto etc.

• O planejamento tecnológico da planta piloto - são as ações relacionadas às escolhas a partir da análise das tecnologias disponíveis. Envolve o estudo das principais rotas tecnológicas de gaseificação, por meio de publicações e patentes; os estudos de viabilidade econômica para as diferentes rotas; o levantamento de experiências internacionais, incluindo visitas a alguns projetos no exterior (como Choren, Siemens e Karls-ruhe na Alemanha, Varnamo na Suécia e NREL nos EUA); contatos e apresentações do projeto para empresas de engenharia e potenciais fornecedores de equipamentos. Além desses, há a negociação da área onde será instalada a planta piloto.

• A cooperação com a universidade - tem o objetivo de promover pesquisas que possibilitem a formação de massa crítica necessária para o desenvolvimento futuro da rota tecnológica no país. As atividades envolvem o levantamento inicial de temas a serem pesquisados pelas universidades e as negociações com as empresas e agências de fomento para o lançamento de editais conjuntos em temas relevantes para o projeto.

• O financiamento - envolve as negociações dos recursos financeiros junto a agências de fomento e as contrapartidas, econômicas e financeiras, de governo, das empresas e demais instituições parceiras.

A organização dos projetos tem trazido vários desafios ao IPT e seus parceiros. As decisões relacionadas a ambos os projetos tem ocorrido por meio de comitês gestores dos quais participam os parceiros.

Por outro lado, observa-se que o modelo proposto proporciona as vantagens de aplicação dos recursos públicos disponíveis para a inovação com uma maior eficiência, uma vez que as tarefas são distribuídas e não há duplicação de esforços, além da maior agilidade no processo. O principal aspecto observado tem sido o significativo interesse das empresas, que encontram nesse modelo uma boa conjugação entre a segurança de usar recursos públicos não reembolsáveis com a maior eficiência e velocidade do processo de desenvolvimento das inovações. Além disso, o grupo de empresas consegue articular iniciativas maiores pela agregação de competências e recursos financeiros.

 

CONCLUSÕES

As principais conclusões da presente análise são as seguintes:

• O desenvolvimento da inovação no Brasil buscou aproximar universidades e empresas, mas careceu de modelos para estimular as fases mais custosas e críticas do processo, que são as fases piloto de prova de conceito.

• Os programas de fomento devem prever um modelo de articulação de projetos em que as principais competências são convocadas para ajudar a resolver grandes problemas tecnológicos nacionais.

• Para isso, os institutos de pesquisa tecnológica podem funcionar como articuladores entre os diversos atores do processo de inovação no Brasil: governo, empresas e universidades e ICTs.

• O IPT adotou esse modelo e tem obtido bons resultados na articulação de grandes iniciativas em prol da inovação.

• Ainda resta o desafio de aumentar a velocidade do processo, principalmente no que se refere aos aspectos de julgamento de propostas e aspectos jurídicos de contração quando há um grande número de atores envolvidos.

 

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