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Revista USP

Print version ISSN 0103-9989

Rev. USP  no.89 São Paulo Mar./May 2011

 

A pesquisa espacial no Brasil: 50 anos de Inpe (1961-2011)

 

 

Gilberto Câmara

Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)

 

 


RESUMO

O presente artigo faz um histórico de cinquenta anos de atuação do Inpe em desenvolver pesquisa, tecnologia e aplicações associadas às áreas espacial e ambiental no Brasil. O artigo apresenta os planos iniciais do Inpe, criado em 1961, ligados à pesquisa em ciência espacial, meteorologia e sensoriamento remoto. Ao longo da história do Inpe, a capacidade de pesquisa do instituto permitiu que fossem criados sistemas operacionais como a previsão numérica de tempo, monitoramento ambiental e previsão de clima espacial. A partir dos anos 80, o Inpe inicia atividades de construção de satélites, cujo maior projeto é a cooperação em tecnologia espacial com a China. O artigo discute algumas lições da história do Inpe, explorando a capacidade do instituto em manter projetos de longo prazo.

Palavras-chave: Inpe, pesquisa espacial, China.


ABSTRACT

This article outlines a 50-year history of the action of Inpe [National Institute for Space Research] in developing research and technology, and the applications associated with space and environmental areas in Brazil. It presents Inpe's initial plans, created in 1961, concerning research on space science, meteorology and remote sensing. Throughout Inpe's history, the research capacity of the institute allowed for the creation of operational systems such as the weather forecast, environmental monitoring, and space weather prediction. From the 1980s onwards, Inpe started its satellite manufacturing activities, whose main project is the space technology cooperation program with China. This article discusses some lessons from Inpe's history; and explores the capacity of this institute of keeping long-term projects.

Keywords: Inpe, space research, China.


 

 

O presente artigo faz um histórico de 50 anos de atua-ção do Inpe em desenvolver pesquisa, tecnologia e aplicações associadas às áreas espacial e ambiental no Brasil. Embora a pesquisa espacial no Brasil não esteja restrita ao Inpe, com um número crescente de pesquisadores e professores em universidades e centros de pesquisa, o instituto ainda é o principal centro nacional no tema. Ao se concentrar na história do Inpe, o artigo pretende trazer ao leitor uma visão dos condicionantes que em larga escala determinam o sucesso das instituições de P&D.

A pesquisa espacial no Brasil começa com a criação do Inpe em agosto de 1961 pelo presidente Jânio Quadros. Era o momento de grande visibilidade internacional sobre a questão espacial. A União Soviética havia obtido feitos de muito impacto: lançou o satélite Sputnik 1 em 1959, o primeiro astronauta (Yuri Gagarin) e a primeira nave não tripulada a chegar à Lua. No auge da Guerra Fria, a resposta americana foi criar o programa Apolo, anunciado pelo presidente Kennedy em maio de 1961 ("before the end of the decade, America land a man on the Moon and return him safely to the Earth"). O programa Apolo mobilizou "the best and the brightest engineers" dos EUA. No seu auge, a Nasa tinha um orçamento anual de US$ 120 bilhões (em valores atualizados), correspondente a 4,5% do orçamento federal dos EUA na época.

A corrida espacial entre URSS e EUA motivou muitos brasileiros. No início de 1961, os membros da Sociedade Interplanetária Brasileira entregaram uma carta ao presidente da República, Jânio Quadros, afirmando que "o Brasil não poderia se omitir no campo das atividades espaciais". Jânio, intempestivo como de hábito, mandou imediatamente criar, através do Decreto nº 51.133 de 3 agosto de 1961, o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (Gocnae), presidido pelo brigadeiro e ex-professor do ITA Aldo Vieira da Rosa. Sob sua liderança, o Gocnae se estabeleceu no campus do CTA em São José dos Campos, com apoio de técnicos cedidos pelo brigadeiro Montenegro (então diretor do CTA). Em 1963, o Gocnae transformou-se em CNAE (Comissão Nacional de Atividades Espaciais), que passou a ser dirigida por um jovem militar engenheiro formado pelo ITA, Fernando de Mendonça. As atribuições originais da CNAE eram típicas de uma agência espacial como a Nasa. Incluíam propor a política espacial brasileira em colaboração com o Itamaraty, desenvolver o intercâmbio técnico-científico e a cooperação internacional, promover a formação de especialistas e coordenar as atividades espaciais com a indústria brasileira.

Para implantar a CNAE, Mendonça foi presciente. Considerou que a formação de recursos humanos e o desenvolvimento de aplicações da tecnologia espacial deveriam ter prioridade sobre iniciativas de construir e lançar foguetes e satélites. Para isso, optou por uma estratégia semelhante ao que a Nasa fez para construir suas equipes, respeitada a enorme disparidade de recursos. Em seus anos de formação (1958-1961), a Nasa incorporou ou estabeleceu centros de pesquisa com atividades de P&D nos diversos componentes do programa espacial, como o Goddard Space Flight Center (criado em 1959) e o Jet Propulsion Lab (transferido em 1958). Nessa mesma linha, a CNAE estabeleceu entre 1961 e 1970 grupos de pesquisa nas áreas científicas que surgiram ou cresceram como resultado do programa espacial americano, para que o Brasil pudesse se beneficiar dos avanços científicos ligados à Nasa. Criaram-se grupos em Geo-física Espacial (1962), Meteorologia por Satélite (1966) e Sensoriamento Remoto (1969), áreas científicas inéditas no Brasil. Como não havia especialistas no Brasil, Mendonça trouxe pesquisadores estrangeiros, especialmente da Índia, para formar os jovens brasileiros. Em 1968, criou cursos de pós-graduação no Inpe. Recrutou talentos das melhores universidades brasileiras para fazer mestrado no Inpe, tendo aulas com os estrangeiros, e depois enviá-los para cursar doutoramento no exterior.

As áreas de pesquisa espacial estabelecidas na CNAE nos anos 60 são intensivas em instrumentação e requerem infraestrutura para receber dados de satélites e para experimentos in situ. O Centro de Lançamento de Foguetes da Barreira do Inferno foi montado em Natal, em 1965, para lançar experimentos científicos com foguetes de sondagem. Uma estação de recepção de imagens de satélites meteorológicos começa a operar em 1966. A estação de recepção de imagens de sensoriamento remoto de Cuiabá foi inaugurada em 1973, tornando o Brasil o terceiro país a receber imagens do satélite Landsat.

Para realizar a estratégia de formar gente qualificada na área espacial, foi preciso quebrar tabus, como criar cursos de pós-graduação em um instituto de pesquisa. Valeu a pena. Com grupos de pesquisa fortes com participação cada vez maior de brasileiros, o Inpe estabeleceu um padrão de excelência e meritocracia adotado até hoje, e trouxe para o país novas áreas do conhecimento que o Inpe lidera até hoje. Na avaliação trienal da Capes de 2010, os cursos de Geofísica Espacial, Meteorologia e Sensoriamento Remoto tiveram conceitos 6, 6, e 7 respectivamente. Dados do Institute for Scientific Information (ISI) de 2009 indicam que a área de Ciência Espacial é uma das mais produtivas no Brasil, com 2,05% do total de artigos científicos mundiais. De acordo com o ISI, a média de citações por paper do Inpe é de 8,35 (dados de 2010), uma das maiores do Brasil.

Em janeiro de 1971, acontece uma grande mudança no programa espacial brasileiro, com a criação da Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (Cobae), vinculada ao Estado Maior das Forças Armadas. Até ser instituída a Cobae, as atividades espaciais civis e militares eram independentes. De 1971 até 1994, a gestão do programa espacial brasileiro passou a ser feita pelos militares através da Cobae. A CNAE foi transformada em Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais)1 e deixou de ser o órgão responsável pela elaboração da política espacial e coordenação do programa espacial brasileiro, tornando-se apenas executor das atividades definidas pela Cobae. O Inpe perdeu a capacidade de tomar decisões próprias na área de engenharia espacial. Gerou-se assim uma polarização militar-civil de efeitos duradouros.

A Cobae decidiu ter um programa que capacitasse o país em tecnologia espacial, atendendo aos interesses dos militares de serem capazes de construir lançadores. Inicialmente, o Brasil negociou um projeto conjunto com a França, descartado depois pelo conceito da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB). No programa MECB, aprovado pelo presidente Figueiredo em 1980, os interesses militares tiveram prioridade sobre os objetivos civis, sendo apenas 30% do orçamento destinado ao Inpe. A base do programa era o desenvolvimento de um lançador de satélites pelo CTA (VLS), capaz de lançar 200 kg em órbitas de até 1.000 km, e a construção de um centro de lançamento em Alcântara (MA). O Inpe faria satélites para ser lançados pelo VLS, sendo dois satélites de coleta de dados de aproximadamente 100 kg e dois satélites de sensoriamento remoto de cerca de 150 kg.

A existência de grupos de pesquisa em meteorologia e observação da terra no Inpe foi importante na montagem da MECB. Além de construir dois satélites, o Inpe desenvolveu um programa nacional de plataformas de coleta de dados (PCDs). Criou um centro de disseminação de dados, desenvolveu tecnologia na área e instalou PCDs pelo Brasil com diferentes órgãos usuários. Em 2010, o sistema de coleta de dados funciona com os dois satélites brasileiros e mais de 800 PCDs em cerca de 100 instituições.

Apesar da perda de autonomia envolvida, a MECB teve ganhos para o Inpe. Aumentou seu orçamento e permitiu contratar uma geração de engenheiros que consolidaram a área de engenharia espacial. Financiou a construção do Laboratório de Integração e Testes (LIT) e do Centro de Controle e Rastreio de Satélites (CRC). O LIT possui uma infraestrutura completa de montagem, integração e testes ambientais de satélites; foi concebido com uma visão de futuro, de integrar não apenas os satélites pequenos da MECB, mas de poder crescer para receber satélites de porte cada vez maiores.

A redemocratização do Brasil a partir de 1985 foi muito positiva para o Inpe. A instituição agregou-se ao Ministério da Ciência e Tecnologia, criado pela Nova República. Apesar de o programa espacial ainda ser dirigido pela Cobae, o Inpe teve espaço para projetos próprios, dado o apoio que teve do então ministro Renato Archer. Sob a liderança de Marco Raupp e com o apoio do MCT e do Itamaraty, o Inpe construiu um acordo histórico entre Brasil e China para um programa de satélites sino-brasileiros de observação da terra (CBERS). O acordo foi assinado em 1988 e deu ao Inpe a autonomia para desenvolver projetos espaciais de maior porte, sem as restrições e controles da MECB. O programa CBERS é hoje uma referência mundial de exemplo de cooperação tecnológica Sul-Sul. O acordo de 1988 previa dois satélites (CBERS-1 e CBERS-2) com 1.500 kg cada e 30% de participação brasileira. Em 2002, foi assinado um novo acordo para construir os satélites CBERS-3 e CBERS-4, mais complexos, com 2.000 kg cada e 50% de tecnologia nacional. Em 2004, um acordo adicional acertou a construção conjunta do CBERS-2B.

A escolha da China como foco da cooperação internacional do Inpe na área de satélites merece destaque. Por que fazer o programa CBERS? Na época, a China foi o único país que nos ofereceu um acordo que respeitava os potenciais e as limitações do Brasil. Até muito recentemente, quando se dispunham a cooperar na área espacial, países desenvolvidos o faziam de forma insatisfatória. O mais comum é propor a compra direta de tecnologia, o que não nos permite desenvolver capacidade endógena. A segunda forma são acordos de cooperação que envolvem estudos preliminares, que depois não são levados adiante, frustrando nosso planejamento de longo prazo. Tal foi o caso dos projetos MAPSAR com o DLR (Alemanha) e FBM com CNES (França)2. Em contraste, a China permaneceu fiel ao Brasil, mesmo em momentos difíceis. Em 1988, a China começava a se abrir para o resto do mundo, e o projeto CBERS foi uma demonstração da capacidade e interesse chinês em cooperação internacional. Foi através do programa CBERS, especialmente a partir do CBERS-3, que o Inpe pôde dispor de recursos consistentes para fomentar uma indústria brasileira na área espacial. Os satélites CBERS já lançados reforçaram a confiança em que somos capazes de realizar projetos espaciais de porte significativo. Ao distribuir mais de 1 milhão de imagens CBERS no Brasil, o Inpe ampliou a capacidade de gestão de nosso território.

Na época em que foi firmado, o acordo de cooperação com a China não foi bem recebido pelo setor militar que controlava a Cobae. Esse setor viu o CBERS apenas como um projeto independente do Inpe, desvinculado dos objetivos da MECB. Outra fonte de tensão foi o descasamento dos cronogramas da MECB. Ainda em 1998, o Inpe terminou de construir o SCD-1, o primeiro dos satélites da MECB. Como o lançador associado (VLS) ainda não estava qualificado, situação que persiste até hoje, o Inpe tentou contratar um foguete estrangeiro. O SCD-1 não era um demonstrador de tecnologia, mas parte de um programa nacional de coleta de dados, e tinha uma missão a cumprir. Adiar seu lançamento sine die, como propunha a Cobae, seria frustrar a comunidade de usuários e o próprio Inpe. Os atritos culminaram com a demissão do diretor do Inpe, Marco Raupp, em janeiro de 1989.

O início da década de 90 foi um tempo difícil para o Inpe. Em coerência com a visão geral do governo Collor de que a tecnologia nacional era ultrapassada e o Brasil "só fazia carroças", o então ministro da Ciência e Tecnologia, José Goldemberg, era francamente contrário ao programa espacial brasileiro. O orçamento e os salários do Inpe caíram substancialmente. Na prática, a MECB foi cancelada e não havia dinheiro para o programa CBERS. Apenas após a renúncia de Collor pôde o Inpe retomar seus programas de satélites. Após delicada negociação com outros setores do governo, o diretor do Inpe, Marcio Barbosa, conseguiu aprovação para lançar os satélites construídos pelo Inpe no programa MECB em foguetes americanos. Com isso, lançamos o SCD-1 em 1993 e o SCD-2 em 1998, o que completou a participação do Inpe na MECB, e permitiu implementar o sistema brasileiro de coleta de dados. O SCD-1 e o SCD-2 operam até hoje (2011), o que mostra a qualidade do trabalho dos engenheiros do Inpe.

O programa CBERS foi interrompido entre 1990 e 1993. A partir dos governos Itamar e Fernando Henrique, o CBERS foi retomado, em grande parte devido à importância das relações bilaterais Brasil-China. Com mais recursos, o Inpe cumpriu sua parte no acordo inicial, permitindo que o CBERS-1 fosse construído e lançado em 1999, e o CBERS-2 em 2003. A partir de 2004, o Inpe passou a distribuir imagens de sensoriamento remoto do CBERS gratuitamente na internet, com grande impacto na comunidade de usuários latino-americanos.

As mudanças políticas da Nova República incluíram a revisão da estrutura do programa espacial. Decisões como aderir ao TNP3 e ao MTCR4, criar o Ministério da Defesa e extinguir os ministérios militares provocaram o fim da Cobae e a necessidade de recriar uma agência espacial civil. Considerando o histórico de sucesso do Inpe e os exemplos de outros países, seria natural que o Inpe retomasse as funções originais da CNAE e assumisse o papel de agência espacial brasileira. No entanto, não se conseguiu encontrar um arranjo institucional que pudesse garantir que os investimentos nos programas de lançadores do CTA e na base de Alcântara fossem mantidos caso o Inpe fosse transformado em agência espacial. Como solução de compromisso, o governo federal criou em 1994 a Agência Espacial Brasileira (AEB) como uma autarquia vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos. A função da AEB, conforme dispõe o a Lei 8.854/94, é "executar e fazer executar a Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais, bem como propor as diretrizes e a implementação das ações dela decorrentes".

A expectativa dos criadores da AEB era que a agência atuasse como órgão de coordenação e fomento, mediando as relações entre as políticas do governo federal e os órgãos executores (CTA e Inpe). Contando com um Conselho Superior formado por representantes de importantes ministérios e das comunidades empresarial e científica, a AEB seria um local adequado para coordenar as atividades dos setores civil, militar e industrial, e reduziria o risco de debacles políticas e orçamentárias como as ocorridas no início dos anos 1990. Na prática, nada disso aconteceu. A AEB nunca teve uma estrutura adequada com uma equipe experiente, capaz de conceber políticas de longo prazo em comum acordo com o CTA, o Inpe e a indústria. Os representantes dos ministérios no Conselho Superior não têm poder de decisão. Para complicar a situação, a AEB passou a ter estratégias próprias e desvinculadas dos executores, como no caso da Alcântara Cyclone Space (ACS). A ACS é uma binacional que planeja fazer lançamentos comerciais de Alcântara com foguetes ucranianos. No entanto, como o acordo assinado entre Brasil e Ucrânia proíbe a transferência de tecnologia, as atividades da ACS não promovem o desenvolvimento de tecnologia nacional. Apesar disso, entre 2005 e 2010 a AEB investiu cerca de R$ 300 milhões na empresa. Como resultado, a atuação da AEB até 2010 agravou os problemas de gestão do programa espacial brasileiro. Há necessidade de revisão da estrutura do programa a partir de um novo pacto político entre os setores civil e militar que privilegie o desenvolvimento de tecnologia nacional na área espacial.

Apesar dos problemas de gestão da AEB, a década de 2000 foi positiva para o Inpe. Com aumento dos dispêndios em C&T no governo federal, especialmente a partir de 2004, o orçamento total do Inpe cresceu de R$ 100 milhões em 2003 para R$ 200 milhões em 2007, chegando a R$ 250 milhões em 2010. Isso permitiu um melhor planejamento nos programas de satélite, incluindo as contratações junto à indústria nacional. Atualmente, o Inpe tem dois programas principais de satélite: o programa CBERS (com os satélites CBERS-3 e 4 mencionados acima) e o programa da plataforma multimissão (PMM). A PMM é uma plataforma de uso múltiplo para satélites de até 500 kg de massa total em órbitas de 600 a 1.000 km. A partir de 2012 e até 2020, o Inpe planeja lançar oito satélites baseados na PMM, para aplicações de observação da terra (sensoriamento remoto, clima espacial e meteorologia) e científicas (astrofísica).

A disponibilidade estável de recursos permitiu que o Inpe, a partir de 2003, conduzisse uma política industrial de contratar empresas brasileiras para fazer subsistemas em mais de um satélite. A primeira contratação de uma tecnologia nova na indústria brasileira será sempre mais cara e mais demorada que a compra no exterior, dada a necessária amortização dos custos de desenvolvimento. Somente um fluxo permanente de contratos industriais permite aumentar a recorrência e reduzir preços e prazos. Os contratos realizados pelo Inpe para os CBERS-3 e 4 e os satélites da PMM estão permitindo esses ganhos. Nos contratos recorrentes, o Inpe tem obtido reduções de preços entre 25% e 50% e de prazos em até 1 ano. Isso mostra a importância de manter recursos estáveis no programa espacial como condição para manter uma política industrial para o setor.

A estabilidade e previsibilidade de recursos do Inpe a partir de 2003 teve feitos positivos ao ampliar a cooperação internacional na área de satélites. Além do programa CBERS, o Inpe tem hoje acordos com a Argentina e os EUA. Brasil e Argentina acordaram fazer um satélite de observação dos oceanos (Sabia-Mar), e a Nasa está discutindo com o Inpe a cooperação em um satélite de medidas de precipitação (GPM-LIO) e negocia um satélite avançado para medida de ecossistemas vegetais (Flora).

Na área ambiental e científica, o Inpe adotou, a partir de meados da década de 1980, a estratégia de transformar competência científica em missões operacionais de impacto nacional. Isso aconteceu em três áreas: previsão numérica do tempo, monitoramento da Amazônia por satélites e clima espacial. O Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) foi criado em 1986 e suas instalações em Cachoeira Paulista foram inauguradas em 1994. O CPTEC montou uma infraestrutura de supercomputação e contratou equipes de modelagem e de previsão operacional que implantaram no Brasil a moderna previsão de tempo. A qualidade de previsão do CPTEC melhora de forma sistemática desde a década de 1990. Em 2010, foi comprado um supercomputador Cray XT-6 com 30.000 processadores, que permitirá ao Inpe gerar previsões em escala regional com resoluções menores que 5 km. Em 2010, o site do CPTEC teve cerca de 220.000 acessos por mês, além da disseminação de suas previsões feita amplamente na mídia. Isso mostra que as informações ambientais e de tempo e clima são amplamente utilizadas pela sociedade brasileira.

A segunda transição pesquisa-operações realizada pelo Inpe foi o estabelecimento de programa de monitoramento ambiental da Amazônia. Desde 1990, o Inpe mede a taxa anual de desmatamento por corte raso na Amazônia, através do projeto Prodes. A partir de 2003, os mapas do Prodes passam a ser divulgados na internet, sendo de grande valia para fiscalização e políticas públicas. Em 1992, o Inpe iniciou a detecção de queimadas em todo o Brasil, usando dados de satélites americanos Noaa, Terra e Goes. A partir de 2004, lançou o sistema de detecção de desmatamento em tempo real (Deter), que fornece dados sobre desmatamento e degradação com frequência quinzenal. Esses sistemas são a fonte primária de informações para as decisões do governo federal quanto às políticas de combate ao desmatamento na Amazônia. É consenso no governo e na sociedade que os dados do Inpe tiveram um papel crucial na redução do desmatamento da Amazônia no período 2004-2010, quando o corte raso caiu de 27.000 km2 para 6.500 km2 por ano. Em 2007, reportagem da revista Science disse que "Brazil's monitoring system is the envy of the world".

Recentemente, o Inpe ampliou sua agenda de pesquisa para incluir os temas de mudanças climáticas e ciência do sistema terrestre. Desde 1996, o Inpe é um dos líderes do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), junto com pesquisadores de 12 países. Os estudos do LBA tratam dos ciclos da água, energia, carbono, gases e nutrientes na Amazônia e como esses ciclos são alterados pelas ações do homem. Esse experimento veio confirmar a liderança do Inpe no setor e o destaque das questões ambientais em sua agenda científica. Cientistas do Inpe participam da elaboração dos relatórios do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), e lideraram o comitê científico do International Geosphere-Biosphere Programme (IGBP) de 2006 a 2012. Essas iniciativas levaram o Inpe a criar um Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) em 2009. O objetivo do CCST é analisar os caminhos de sustentabilidade do Brasil frente às mudanças ambientais globais.

Dentro da lógica já estabelecida de transformar capacidades de pesquisa em programas operacionais, o Inpe criou em 2008 o programa de Clima Espacial. Seu objetivo é medir e modelar a interação Sol-Terra e seus efeitos no espaço próximo e na superfície do território brasileiro. As tempestades magnéticas e tempestades ionosféricas, geradas pela atividade solar, afetam transmissão de dados de GPS, satélites, aviões e sistemas elétricos. O Inpe está instalando infraestrutura de coleta de dados, modelagem e previsão de clima espacial, e a primeira fase do programa será concluída em 2012.

Este breve histórico do Inpe mostra que os resultados mais positivos de seus 50 anos de existência estão associados a projetos em que houve mobilização de recursos humanos qualificados para projetos com impactos científicos e sociais bem definidos. Esse sucesso também depende de um equilíbrio delicado entre pesquisa, tecnologia e operações. É através da produção acadêmica que formamos as novas gerações de especialistas na área espacial. No entanto, se tivesse ficado restrito à pesquisa, o Inpe não teria cumprido missões únicas e necessárias para o Brasil, que precisam de pessoal alocado em atividades de desenvolvimento tecnológico e de operações. Administrar o balanço interno de pessoal e recursos é um desafio permanente para os gestores do Inpe.

Considerando-se as enormes variações da política de governo para C&T no Brasil nos últimos 50 anos, é surpreendente constatar que o Inpe manteve uma trajetória consistente. Em 50 anos de atividade, o Inpe conseguiu realizar boa parte do projeto original do Gocnae, e implantar no Brasil um centro de P&D com qualidade nas áreas espacial e ambiental. Suas realizações têm reconhecimento dentro e fora do país. O Cybermetrics Lab do CSIC-Espanha (Consejo Superior de Investigaciones Científicas) colocou o Inpe entre as 40 instituições mundiais de maior visibilidade na área de ciência e tecnologia. Acredito que boa parte dessa trajetória positiva se deve aos padrões de exigência aplicados tanto à área científica quanto ao desenvolvimento de tecnologia. Assim, a principal lição que se pode tirar da história do Inpe é a importância de colocar a qualidade como o principal valor de uma instituição de P&D. No Brasil, ainda há muitos que consideram que a qualidade é um valor secundário na área de C&T, que pode ser sacrificada em nome de supostos compromissos sociais. Espero que o histórico positivo do Inpe ajude os que se interessam por gestão de C&T a manter a intransigente defesa do mérito e da qualidade como os únicos valores que garantem o sucesso de instituições de pesquisa e desenvolvimento.

 

 

1 O termo "nacional" só foi adicionado ao nome do Inpe em 1990, após o fim do regime militar.
2 O MAPSAR seria um satélite de imageamento radar de 500 kg, cancelado pelo DLR-Alemanha em 2009 após 5 anos de estudos conjuntos. O projeto FBM seria um conjunto de satélites científicos de 100 kg, cancelado pelo CNES-França em 2005 após 4 anos de cooperação.
3 Tratado de não proliferação da armas nucleares.
4 Regime de controle de tecnologia de mísseis.